segunda-feira, 19 de maio de 2014

Faça-se um favor, revise seu texto!

Existem dois tipos de pessoas: aquela que é paranoica com revisões e aquela que não revisa o suficiente. A qual categoria você pertence? Antes de responder saiba que estes extremos são prejudiciais ao seu texto.

A palavra chave aqui é “extremos”. Escritores são membros de uma raça diferente. Existem tantas variações de comportamento, técnica, abordagem e linguagem que às vezes penso que somos uma raça de “raças distintas”.

Fazendo uma rápida pesquisa você vai encontrar, por exemplo, o escritor que senta na frente do computador e começa a digitar sem nem saber muito bem o que está escrevendo. Teve uma ideia para uma personagem interessante e decidiu produzir alguma coisa em torno daquela personagem. Conto? Poema? Romance? Ninguém sabe. Mais tarde ele vai definir.

Tem aquele, claro, do outro lado do oceano que anota tudo, sabe tudo, tem planejado cada detalhe de cada cena de cada capítulo. Ele só vai começar a efetivamente escrever depois que estiver satisfeito com seu plano e souber exatamente de onde está saindo e para onde está indo.

Com revisões acontece a mesma coisa. Você vai encontrar aqueles que, com o ponto final do último parágrafo declaram o texto pronto. Não querem mais saber de nada, só de começar o próximo texto. “É para isto que existe revisor e editor” é a desculpa mais freqüente. Digo já: não. Não é para isto que revisores e editores trabalham. Você, como escritor, tem que fazer a sua parte.

Existe também, no outro extremo, aquele escritor que vai terminar a primeira cena do primeiro capítulo e vai revisar o texto. Aí ele revisa de novo. Espera uma semana e revisa de novo. Mais uma semana e revisa de novo. Mais uma semana e… adivinhou… ele revisa de novo. Enquanto isto todo o resto do livro está lá, em algum lugar da cabeça dele, juntando poeira. Ficando velho. Desbotado.

Evidente que existem milhares de variações de comportamento entre estes dois extremos. Qual é o melhor?
A alternativa

Mesmo que você não goste do estilo, é preciso dar a mão à palmatória:Stephen King sabe escrever. Ele produz muito. Em uma de suas obras,On Writing, ainda não traduzida para o português, ele conta que sempre que acaba de escrever um livro, procura desviar ao máximo sua atenção da obra. Ocupa-se com outras atividades, escreve contos, roteiros, viaja ou vai consertar a porta da cozinha que está rangendo.

Ele julga que o tempo ideal de espera entre terminar a produção e começar a revisar um texto é de três a quatro meses. O suficiente para que a ação e os personagens não morram na sua cabeça. O suficiente para você se afastar deles. O “seu tempo ideal” você vai encontrar com a prática. Mas deverá ser aquele em que sua memória pregue alguns truques em você.

Ou seja, você terá esquecido certas cenas e certos detalhes. Assim, quando você reler o material, o ideal é que você se surpreenda. Idiossincrasias deixadas de lado, com este tempo que você vai investir no seu livro, será mais fácil detectar seus próprios vícios de linguagem, incorreções, quebras na estrutura narrativa, incongruências na linha de tempo ou inverossimilhanças presentes nas atitudes dos personagens.

Já que não sou Stephen King, quanto tempo devo deixar o livro dormindo antes de revisar? Esta resposta é fácil: não sei. Você deverá encontrar seu próprio ritmo. Fiz diversas experiências ao longo dos anos. Em uma situação ideal adoraria deixar um romance de 300 páginas dormindo um ano na gaveta. Quando pegasse novamente na massa, a leitura seria absolutamente fresca, nova, cheirando a manhã de primavera. Mas quem disse que a gente vive em um mundo ideal?

Acho que o negócio é a gente fazer um acordo com a vida e com o resto do mundo e chegar a uma equação que satisfaça seu desejo de escrever algo perfeito e o de sua editora ou agente de tentar evitar que você seja açoitado em praça pública.

Tudo bem, tudo bem. Se aquele prazo serve para o senhor King, pode servir para a gente também. Vamos fazer um acordo: espere entre três a quatro meses antes de começar a se esbaldar em seu próprio texto, ok? A diferença, no final, será gritante.

Isto se aplica não só a romances, poemas ou contos. Estou falando aqui de relatórios, petições, avisos, memorandos, documentos em geral e até e-mails. Vamos lá, confesse. Você já recebeu um e-mail cheio de erros de digitação, ortografia e concordância não é? Como ficou na sua cabeça a imagem da pessoa que mandou a mensagem? Não ficou como um exemplo de competência. Tenho certeza. Sem contar que mandar estas mensagens ou documentos coalhados de erros é um desrespeito com as pessoas. Escreva, dê um tempinho, vá tomar um café, vá fazer xixi, depois volte, releia, corrija e só então, quando tiver certeza que está tudo certinho, envie a mensagem.
Como corrigir?

1 – Corretor ortográfico
O editor de texto mais popular, MSWord, tem seu próprio corretor ortográfico e gramatical. Se por acaso você não tem este arquivo no seu computador, pode adicionar um corretor ao seu navegador de internet. Se você utiliza o Internet Explorer o corretor mais popular é o ieSpell. Se o seu caso é o FireFox adicione um pacote de idioma.

Estas ferramentas são úteis especialmente se você está planejando ter um blog para a divulgação dos seus projetos ou se utiliza webmail para comunicação.

2 – Manualmente
Nada substitui a leitura! Corretores ortográficos ajudam a encontrar os erros mais óbvios, mas se você escreveu “nua” e queria dizer “lua”, o corretor automático não vai acusar o erro e, claro, seu leitores ficarão confusos. Sem contar que sua personagem pode acabar indo presa por atentado ao pudor… mas deixe para lá.

É óbvio que depois de trabalhar horas num texto, certos erros não são mais visíveis. Acabamos preenchendo lacunas da comunicação com o que achamos que dissemos e não com o que realmente escrevemos. Adoro estes dois macetes que facilitam a visualização destes erros.
Mude o tamanho da fonte ou margens para que o texto mude de lugar na página ou na tela do computador.
Imprima o texto. Em último caso, claro. Afinal não queremos desperdícios, certo?

3 – Leia em voz alta
Este método ajuda não só na correção do texto, mas também na avaliação da sua fluência e musicalidade. Dizer isso pode parecer etéreo ou misterioso, mas um texto que flue como música, sem dúvida, é muito mais agradável de ler.

A forma mais produtiva de fazer uma leitura em voz alta, é fazer isso com mais alguém ouvindo, ajudando a verificar o ritmo, o sentido e a fluidez do texto. Mas se for necessário fazê-lo sozinho, o fato de ouvir a própria voz já faz uma grande diferença. Ler em voz alta força com que você olhe e leia todas as palavras, facilitando ainda mais a detecção de algum erro ou incongruência.

4 – Deixe o texto dormir e faça os passos 1 2 e 3 novamente

Quando temos tempo para fazer isso, a qualidade resultante dessa revisão é inegável! Cuide apenas para não se tornar vítima da obra eternamente revisada e nunca publicada.

5 – Contrate alguém para revisar para você

Certamente, contratar um revisor profissional é um passo fenomenal para a qualidade final do seu texto. O ideal é encontrar um revisor que não só corrija ortografia, mas que também coloque em cheque suas manias e vícios de escritor, como a repetição de certas palavras ou construções. Lembro da primeira análise que a corretora do meu primeiro romance me mandou: as páginas estavam absolutamente recheadas de notas. E percebi de cara um dos meus muitos vícios. Cada vez que, no livro, dois eventos eram relacionados por um nexo causal, para mim o segundo evento acontecia “em virtude” do que aconteceu no primeiro. O livro de 293 páginas tinha mais de 150 repetições da expressão. Nem eu mesmo sei como fui capaz de fazer algo daquele jeito. Na época ela brincou: “este sim é um livro cheio de virtudes”.

Pode ser que, profissionalmente, você não tenha tempo de deixar o texto dormir. Às vezes, não dá tempo nem de uma soneca. Mas releia o material com atenção e, faça um favor para seus leitores: passe o corretor ortográfico!

Fábio Marchioro

Dicas de produtividade de um escritor

Faça o que eu faço. Se quiser…

Se você gosta de escrever contos ou romances acho que vai gostar do que relaciono abaixo. São algumas das práticas que, como escritor, adoto no dia-a-dia. São também hábitos profissionais positivos de outros escritores que acabei incorporando na minha atividade. Mas lembre: não são verdades absolutas. Funcionam para mim.

Já ouviu aquela história de que um marceneiro sempre tem um martelo ou serrote preferido? O mesmo acontece com advogados, médicos, engenheiros e mecânicos. Não vamos nem falar em chefes de cozinha e suas facas. Com a experiência aparecem pequenas idiossincrasias que afetam, às vezes para melhor e às vezes para pior, o trabalho do profissional. O uso de certas ferramentas ou determinadas práticas podem determinar, em longo prazo, o sucesso ou o fracasso de um projeto.

Por exemplo, por muitos anos eu só conseguia sentar para escrever depois de lavar a louça, limpar o banheiro dos gatos, colocar a roupa para lavar e tomar banho. Esta preparação (doentia, eu sei) tomava em torno de 90 minutos. Com freqüência eu gastava mais tempo me preparando do que escrevendo (eu sei, eu sei, não diga nada). O resultado é óbvio: muito tempo investido e pouca produtividade.

Se o seu negócio é escrever hai kais o tempo total de edição será provavelmente menor do que aquele para escrever um livro de 300 páginas. Mas se todo dia antes de escrever você cumpre um ritual que demora duas horas, o tempo total de edição vai ficando ridiculamente longo. O que acontece então com o tal livro de 300 páginas? Exato, demora anos para ser terminado.

Vamos fazer um acordo? Analisando friamente, não faz diferença na qualidade de seu texto se sobre a pia estão empilhados dois ou três pratos. Não vou processar você se suas roupas forem lavadas somente no final da tarde e as xícaras do café da manhã não gritam e se suicidam no chão da cozinha se você deixá-las lá sozinhas por mais uma hora.

Então vá escrever, ok? Mas antes dê uma olhada não nas manias, mas nas práticas positivas que escritores adotam em pesquisa, técnicas gerais, revisão, divulgação e outras fundamentais para o sucesso do manuscrito.

Pesquisa
Deixe que outros façam certas pesquisas para você. É possível encontrar informações valiosas com agentes de viagens, em panfletos, com bibliotecários e donos de lojas.
Dependendo do texto que você esteja escrevendo, talvez seja necessário fazer entrevistas. Faça então uma lista com os nomes de todos as pessoas que você vai entrevistar, separando-as em categorias como: fontes oficiais, especialistas e fontes acadêmicas que desenvolvem estudos ou trabalhos na área de seu interesse. Depois, entreviste “pessoas reais” que são afetadas direta ou indiretamente pelo assunto que você está pesquisando.
Quando for realizar entrevistas, leia o máximo que puder sobre o assunto e leve suas perguntas por escrito. Comece com perguntas mais fáceis, para ir “aquecendo” a pessoa. Termine com as perguntas que podem perturbar ou até enraivecer o entrevistado.
Quando for marcar um horário para entrevistar alguém, esteja pronto caso a pessoa diga: – Ok, vamos fazer a entrevista agora.
Se você estiver com dificuldades para fazer aquele primeiro rascunho, faça o seguinte: leia a respeito do assunto. Tome notas. Leia de novo, prestando atenção para “o que não está ali”.
Faça pesquisas em bibliotecas, na Internet e/ou entrevistando pessoas. Quando as informações começarem a soar repetitivas, chegou na hora de parar a pesquisa.
Arquive suas anotações e informações imediatamente. Use um sistema funcional de organização para suas anotações, seja em computador ou fichas de arquivo: nada é mais frustrante e desgastante do que passar horas procurando uma informação que você “achava que estava lá”.
Leia e releia suas anotações. Sublinhe as partes mais importantes. Faça um esquema. Depois detalhe o esquema. Transforme este esquema detalhado em um resumo. Desenvolva o resumo. Mas lembre-se que vai chegar um momento em que você vai ter que escrever o texto propriamente dito.
Quando estiver escrevendo uma história complicada, faça um roteiro resumido das cenas. Se ainda assim estiver perdido, escreva as cenas resumidamente em pequenas fichas e espalhe tudo na sua frente. Assim você terá uma visão de conjunto da sua obra, facilitando a análise da seqüência de cenas e capítulos.
Sempre escreva uma “primeira versão”. Não crie desnecessariamente a imensa pressão de escrever sua “obra prima” assim que seus dedos toquem no teclado.
Com freqüência sua “primeira versão” poderá ser muito longa. Não tenha medo de cortar palavras, parágrafos e até cenas inteiras. Tirar um personagem do livro não é o mesmo que matar um amigo. Você acaba esquecendo e usando “o amigo” em outra situação. Mas use o bom senso. Em ficção, muitas vezes, menos é mais.
Quando estiver satisfeito com seu texto, verifique todos os fatos. Duas vezes.

Técnicas
Nunca… nunca jogue fora as suas anotações de pesquisas.
É muito importante saber escrever diálogos. Como um exercício, reproduza uma linha de diálogo que você tenha ouvido em qualquer lugar. Em seguida faça com que a conversa “caminhe”, não importa para que lado.
Abra um dicionário e escolha uma palavra qualquer. Escreva uma pergunta usando esta palavra e depois escreva a resposta.
Ao escrever um diálogo, analise as falas do ponto de vista da personagem, do local e do enredo. Depois faça-se as seguintes perguntas: Quem está dizendo isto, como é esta personagem fisicamente e qual sua ocupação? Porque esta personagem diria algo assim? Qual é a emoção dominante desta personagem neste momento? O que fez esta personagem dizer isto? Com quem ela estava conversando? Quais são os objetivos específicos desta cena? Quais são os sons e odores ambientes que seriam capazes de influenciar esta conversa? Este diálogo evidencia algum traço importante da personagem que contribui de alguma forma para o andamento do enredo? Se estas perguntas tiverem respostas insatisfatórias, repense o uso do diálogo e até da cena como um todo.
Escreva “resmas” de diálogos. É muito melhor na hora da revisão final ter à sua disposição várias opções e poder dar-se ao luxo de escolher entre as melhores.
Os textos que você produz não são como seus filhos: intocáveis, puros e perfeitos. Se alguém lhe der sugestões, ouça todas. Descarte o que não for útil e use o resto.

Revisão
Contrate um profissional para corrigir seu texto. Você não terá dificuldades para encontrar um professor de língua portuguesa ou literatura que, mediante um valor previamente acordado, corrija seus originais e converse com você sobre o livro como um todo. Dê preferência para professores universitários dos cursos de letras ou jornalismo. Pagar até US$ 1,50 por página é razoável.
Lembre-se que o papel do editor não é só publicar seu livro. Ele tem direito (e provavelmente fará uso dele) para editar seu texto. Isto é: ele poderá sugerir e mesmo fazer alterações. Poderá até condicionar a publicação a certas alterações.
Nunca mande textos para análise sem antes revisar o material em uma cópia impressa.
Quando o texto estiver terminado, afaste-se dele. Fique algum tempo sem ler nada sobre o assunto. Pelo menos dois meses. É o suficiente para você criar um distanciamento em relação à sua criação. Você terá “esquecido” certas partes. Arme-se então do mais afiado senso crítico e aborde o texto como um pirata, pronto a cortar, eliminar, saquear e só levar consigo o que é realmente bom e valioso.

Divulgação
Mantenha uma agenda atualizada com os nomes e os telefones e/ou e-mails de todas as pessoas que você precisou entrevistar para produzir seu texto.
É imperativo que você inclua nos agradecimentos do seu livro uma menção a todas as pessoas que você entrevistou. É também muito bom mencionar aqueles que leram o original antes do livro ser publicado.
Deixe seu revanchismo de fora dos agradecimentos e dedicatórias. Publicar uma obra deverá ser mais do que suficiente para apagar de sua memória os desgostos, os sorrisos velados e os comentários à meia voz pelas suas costas. Você não precisa carregar o resto da vida o peso das pessoas que não acreditavam em você.

Fundamental
“Ouça” sua intuição. Ela é como uma amiga fiel. Se você a trair vai se arrepender amargamente.
Não confie só no seu computador.
Não faça backups só em meios eletrônicos. Além de CDs, DVDs, arquivos virtuais em servidores na internet e flash drives, que tal imprimir seus textos de vez em quando?
Tenha cópias (mesmo que seja só em meios eletrônicos) das diversas fases do seu processo. E mantenha cópias em lugares diferentes de onde fica o seu computador. Seguro morreu de velho… e tranqüilo, com cópias de segurança do seu trabalho.

Fábio Marchioro

Afinal, revisar por quê?

Imagine alguém que goste (e entenda) muito de risoto. Nosso gourmand vai a um restaurante de grande prestígio, cuja cozinha é dirigida por um chef de renome internacional, e pede seu prato predileto: risoto de camarão. Ao recebê-lo na mesa, tudo parece perfeito: o aroma, a textura do camarão, os condimentos, o gosto delicioso… Entretanto, enquanto refestela o paladar, mastigando o arroz cozido no ponto perfeito, nosso personagem encontra, cá e lá, de vez em quando, uma pedrinha. As incômodas mordidas nos pedacinhos duros certamente o irritariam a ponto de ele desqualificar o cozinheiro e nunca mais voltar ao restaurante, por mais refinado que fosse o sabor da iguaria, por maiores que fossem as qualidades dos ingredientes.

É isso que pode acontecer quando um leitor qualificado se depara com um texto agradável, fluente, saboroso… mas que, cá e lá, dez vez em quando, deixa escapar “errinhos de português”. Esses erros são pedrinhas no risoto, e dificilmente o leitor que seja bom conhecedor da língua deixará de considerá-los um ponto bastante negativo ao avaliar o texto.

Um bom escritor é sempre um bom manipulador da língua. Ainda que não conheça de cor e salteado as regras gramaticais, ele sabe empregar adequadamente o idioma, mesmo que intuitivamente. E os grandes literatos que “torceram” as regras do português (imediatamente me vem à ideia Guimarães Rosa) sabiam exatamente o que estavam fazendo.

Claro que mesmo bons escritores estão sujeitos a pequenos deslizes na escritura de um texto. É por isso que, sábios e humildes, recorrem aos revisores – funcionários da palavra que, ainda quando não tenham o estro literário, sabem identificar pequenas ervas daninhas insinuando-se no trigal do texto.

Há um bem sucedido escritor brasileiro que, segundo consta, não admitia (ao que parece, por razões místicas) que seus escritos fossem revisados. Graças a isso, são facilmente encontráveis erros evidentes em seus primeiros livros. Repetindo no exterior o sucesso nacional, tal autor alcançou celebridade muito maior do que seus escritos lhe haviam dado, a princípio, em solo pátrio: os textos bem vertidos para línguas estrangeiras certamente não continham erros. Deu então a mão à palmatória o escritor, passando a permitir a “intromissão” de revisores no seu texto, o que melhorou a qualidade de seus livros.

Já o autor brasileiro mais premiado em anos recentes, Cristóvão Tezza, tem um impecável domínio do idioma. Tal qualidade faz com que suas obras possam dar ao leitor um grande prazer apenas na consideração da perfeição da escrita, independentemente da história. Certamente consciente disso, Tezza chegou a incluir em algumas histórias páginas que pouco contribuem para a construção da trama e parecem estar nelas apenas para dar ao leitor o deleite do texto primoroso.

Quaisquer que sejam o objetivo e o estilo do texto (literário, técnico, científico, burocrático…), é legítimo que o leitor espere, pelo menos, um uso correto do idioma. E também é certo que a ausência de erros já eleva a qualificação daquilo que se escreve. Portanto, senhores autores, façam boamente uso do trabalho do revisor, que colocará seu esforço e seu conhecimento a serviço da boa qualidade do texto, ajudando o leitor a sorvê-lo na autenticidade de seu sabor, sem incômodos de forma que possam aviltar o estilo.

Tomás Barreiro

Seja criativo em 5 voos

A criatividade aflora quando mudamos o padrão, variamos o ângulo, quando vamos além da primeira resposta e procuramos alternativas.

Ela é mãe. E também madrasta. Quando menos esperamos, lá vem ela em toda sua glória. Indica o caminho, ilumina a escalada, elimina nossas dúvidas e nos incentiva quando desanimamos. Por outro lado, na noite mais escura, do lugar mais isolado, do poço mais profundo, certas vezes ela não escuta nosso pedido de ajuda.

Qual a alternativa? Tomar as rédeas desta carruagem desgovernada e conduzi-la da forma que acharmos mais apropriada. Existe saída deste beco. Mas primeiro precisamos levar em consideração que os sentidos humanos estão programados para discernir diferenças. Por exemplo: você é convidado para um churrasco na casa de um amigo. Quando chega lá, sente o cheiro da carne assando. Sua boca começa a salivar. Você escuta o filé mignon fazendo aquele ruído… ssssssss… na grelha. A casa inteira está tomada pelo aroma da carne sendo preparada.

No entanto, dez minutos depois o “perfume” desapareceu. Você não sente mais o cheiro da carne na churrasqueira. O mesmo acontece com ruídos, estímulos táteis ou qualquer outra manifestação externa que bombardeie seus sentidos. Se a manifestação for contínua, ela não será mais percebida. Mais um exemplo: pare tudo e escute o barulho do tráfego lá fora.

Percebeu? Os motores, as buzinas e o ruído dos pneus no asfalto estavam lá o tempo todo. Mas você não estava mais ouvindo porque não estava mais prestando atenção. Não é à toa que este tipo de barulho é chamado de ruído branco. É o estímulo (a TV lá na sala, o cachorro do vizinho, aquela dorzinha nas costas que nunca vai embora) que nossa consciência administra jogando lá para o fundo, onde, em tese, não incomodaria mais.

Todos precisamos de pelo menos algumas constantes na nossa vida. Nem que seja uma sombra de rotina para podermos viver em sociedade. Se você fizer tudo diferente, o tempo todo, todos os dias em todos os lugares, o diferente se transforma na rotina. Por outro lado a rotina massacrante também anestesia os sentidos. Qual o caminho? Como sempre, o do meio. O do bom senso.

E a alternativa para dar esta cutucada na criatividade é quebrar o padrão. Esquecer o normal. Abandonar, inclusive, por alguns minutos, o que as pessoas chamam de “razão”.

Não posso dar receitas de bolo de como resolver este problema, mesmo porque somos todos muito diferentes. Mas posso dizer o que funciona comigo. Sinto que, às vezes, preciso “inspirar” a inspiração. Ela é preguiçosa por natureza (aliás, como eu) e precisamos fazer nossa parte. Quando ela está ocupada lidando com outros problemas, normalmente faço o seguinte:
Converso com nossas gatinhas – temos duas gatinhas, Miadóra e Shypelanca. Invento diálogos com elas. Converso, debato, argumento, faço os dois lados da discussão. Claro que esta técnica serve também para cachorros, passarinhos, coelhos e outros seres vivos. Até bebês.
Invento letras absurdas para melodias de músicas que gosto – Ou ainda invento minhas próprias melodias. Claro, não tenho um dom musical, então você pode imaginar como minhas músicas soam. Isto funciona especialmente quando estou fazendo tarefas maçantes ou repetitivas. O problema é que não consigo combinar os dois exercícios, pois quando começo a cantar, as gatas desaparecem.

As próximas 3 “técnicas” (são brincadeiras, na verdade) também funcionam muito bem.
Faça caretas na frente do espelho. E não se preocupe se alguém pegar você em flagrante. Faça mais uma careta dirigida ao invasor! É interessante ver seu rosto de forma diferente.
Mude de posição. Sente de trás pra frente na cadeira. Mude a cadeira de posição. Mude a mesa de posição. Vá escrever no jardim, na sacada, na escada, debaixo da mesa, dentro do box do chuveiro (com ele desligado, por favor). Inverta coisas, práticas e modelos. Subverta seu local de trabalho.
Faça de conta que você é uma figura histórica ou mitológica. Pode ser um ex-presidente, o Hércules, Sócrates ou até figuras como Papai Noel ou o Coelho da Páscoa. Qualquer personagem serve. Que tal um super-herói? Como você resolveria seus problemas, os problemas de outras pessoas ou ainda os problemas do mundo se você tivesse um super poder?

Se quiser ler mais a respeito, aqui estão alguns livros relacionados ao assunto.

Em Espere o Inesperado (ou você não o encontrará), Roger von Oech utiliza trinta epigramas de Heráclito como trampolins para impulsionar a criatividade. Ao usar cada máxima como uma fonte de inspiração, ele nos proporciona passagens divertidas, enigmas desafiadores e perguntas intrigantes formuladas para derrubar velhos hábitos mentais e incendiar a imaginação. O autor mostra como reverter nossas expectativas, conduzir a mudança a nosso favor, criar metáforas poderosas e evitar a armadilha do “mais” , ou seja, supor que mais é sempre melhor para resolução de problemas. Todas as pessoas que buscam novos métodos para a resolução de problemas – administradores, estudantes, artistas – encontrarão neste livro uma ferramenta de inestimável valor. Quer você o leia como um manual de criatividade, quer use os insights como uma forma de meditação matinal ou consulte-o diariamente como um oráculo. Esta obra dará uma saudável sacudida na sua imaginação.(fonte: Submarino)

Este livro contém uma importante mensagem: a de que a criatividade pode ser cultivada por todos – crianças e adultos, empresas e comunidades inteiras. Como você pode liberar o seu espírito criativo e usá-lo para melhorar a qualidade da sua vida? Este livro o leva a conhecer o processo criativo, fazendo-o entender os reinos da intuição e do “fluxo criativo”, onde os nossos esforços estão perfeitamente à altura da tarefa que temos em mãos. Ele oferece uma série de exercícios práticos para aumentar sua criatividade e desfazer hábitos preconceituosos de pensamento, e leva você numa viagem ao redor do mundo contando-lhe histórias inspiradoras sobre o espírito criativo em ação: Uma escola revolucionária italiana mostra como liberar a criatividade das crianças. O gênio cômico Chuck Jones, lendário criador do coelho Pernalonga, explica por que “a ansiedade é a serva da criatividade”. Uma inovadora fábrica sueca abre mão da hierarquia e revela todos os segredos da empresa aos funcionários. Uma igreja urbana norte-americana usa a antiga arte da escultura para ajudar na reconstrução de uma comunidade. Repleto de humor e dos altos e baixos da criatividade, O Espírito Criativo nos encoraja a investir na paixão, na persistência e na disposição de correr riscos que podem nos fazer sentir a alegria de viver.(fonte: Submarino)

Ao expor e questionar o mito da criatividade, o autor demonstra, em prosa ágil, bem-humorada e competente, que ela é um produto bem mais acessível do que se imagina. Antes de ser uma dádiva divina, é fruto do trabalho gradual e da dedicação apaixonada de cada um de nós. Para provar, Zugman investiga a vida e o pensamento de uma série de personagens e personalidades reconhecidamente criativas: Darwin, Freud, Einstein, Batman, Da Vinci e até o célebre governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger. Uma viagem cultural imperdível.(fonte: Submarino).

Fábio Marchioro

Os erros mais comuns


Depois de anos revisando monografias, teses de doutorado, dissertação de mestrado, artigos científicos e livros, quando me perguntam quais os erros encontrados com mais frequência nesses textos, tenho dificuldade de responder.

Na verdade, a gama de erros é variada. Em termos de quantidade, sem dúvida, levam o “prêmio” a pontuação e a acentuação. Mas estes são, geralmente, erros menos relevantes, muitas vezes resultantes de distração ou de problemas de digitação. Dentre os deslizes mais graves, são comuns as falhas de concordância nominal e verbal. A impropriedade vocabular não é evento dos mais numerosos, mas aparece sempre – todo texto tem um ou outro vocábulo empregado impropriamente. Por fim, há os erros na estrutura da frase, que muitas vezes acabam por gerar sentenças ininteligíveis.

Nos textos técnicos que exigem conhecimento específico distante do repertório do revisor, obviamente, a revisão é focada especificamente no aspecto formal – entretanto, uma frase mal estruturada, ainda que trate de tema que fuja ao domínio do revisor, não passará despercebida. Nesse caso, o revisor apontará o problema e solicitará ao autor que deixe claro o sentido da frase.

Deve-se ressaltar que cada texto tem seu público e sua intenção. O revisor precisa levar isso em conta na “calibragem” do seu trabalho. Afinal, o texto é uma peça de comunicação, e sua eficácia como tal está ligada ao público-alvo e ao objetivo comunicacional. A língua é viva, e muitas de suas regras não são rigidamente delimitadas. Um maior ou menor rigor formal depende do tipo de texto. Há muitos usos da língua que há pouco poderiam ser qualificados como “erro” e hoje são perfeitamente aceitas.

Nos meus trabalhos, em princípio, tendo a fazer uma revisão mais “purista”, salvo se houver tratativa em contrário com quem encomenda o trabalho. De qualquer modo, convém ter presente que nenhuma revisão é absolutamente “perfeita” – não apenas porque é feita por um ser humano, sujeito, portanto, a erros, mas porque uma visão excessivamente “rigorista” sempre encontrará algo a melhorar. Aliás, isso se aplica tanto à forma quanto ao conteúdo. Lembro-me de uma experiência muito curiosa: eu fazia a revisão dos textos de um escritor que publicava livros especializados sobre temas de religião e sociologia. Cada vez que eu entregava os originais revisados, ele acrescentava algo ao texto, que depois me devolvia para nova revisão – e assim sucessivamente, várias vezes, até que ele decidia não mexer mais no trabalho, vencido pelo cansaço. “Revise e não me devolva mais, passe direito ao editor”, dizia ele.

Conta-se que o célebre escritor francês Edmond Rostand era absolutamente obcecado na busca da perfeição de seus escritos. Ele revia e revia e aperfeiçoava seu texto até o limite do absurdo. Seu fantástico “Cyrano de Bergerac” – texto para teatro encenado incontáveis vezes, filmado por vários diretores e parodiado infinitamente – é um exemplo dessa obsessão: de construção magnífica, tornou-se uma das obras-primas da literatura ocidental (de passagem: está entre meus livros preferidos, bem como o filme, baseado nele, dirigido porJean-Paul Rappeneau e estrelado por Gerard Depardieu). Não é preciso, evidentemente, essa obsessão. Mas um texto bem escrito, em português correto, é condição necessária para que o escritor consiga portar altivamente seu panache.

Tomás Barreiro