quinta-feira, 18 de abril de 2013

O grande calote

Ruth Guimarães 

Uma história que eu gosto de contar é a do esperto pescador de Nápoles. Havia nessa cidade um pescador de profissão, um tal Ciccillo, que todas as manhãs saía do porto com o seu barquinho e ia pescar em alto-mar. 

Certa tarde, durante a pescaria, reparou que o tempo ia mudando, pois começava a soprar o vento precursor de tempestade. Os marinheiros sabem distinguir o vento manso daquele que precede a borrasca. Por isso resolveu recolher todas as redes e voltar para a casa. 

As tempestades no mar às vezes surgem repentinamente e Ciccillo, no breve prazo de um quarto de hora, encontrou-se no meio de vergalhões tão agitados e tão desordenados, que o pobre diabo dizia para si mesmo: “Hoje é o dia em que vou morrer!” 

Lembrando-se então de São Genaro, o protetor dos napolitanos, como nós aqui temos Nossa Senhora Aparecida, para cuidar dos paulistas, ajoelhou-se e pediu que o salvasse: 

- San Genaro, tem dó de mim! San Genaro mio bello. Não me deixes morrer! Tu bem sabes que tenho quatro guaglione e a mulher paralítica. Faltando eu, onde iriam buscar dinheiro para a macarronada de todos os dias? São Genaro, tu me salvas e no dia de tua festa, levar-te-ei um feixe de velas! São Genaro mio bello, salva-me se queres as velas! 

O santo, condoído de sua trágica situação, pediu a Deus que lhe permitisse salvar o infeliz, no que Deus concordou. 

Imediatamente a tempestade abrandou, os vagalhões, aos poucos, tornaram-se mais mansos, e, por fim, os elementos acalmaram-se completamente, permitindo ao pescador voltar à sua “bella Napoli”. 

Nos domingos seguintes, quando ia à missa, o santo dava-lhe certas olhadelas esquisitas, como para dizer-lhe: Lembra-te da promessa! e, quando, durante a semana, que a borrasca não permitia pescaria alguma e os pescadores andavam pra lá e pra cá trocando pernas pela cidade, ao passar na frente da igreja, Ciccillo tirava o chapéu, não tinha coragem de olhar para o santo, talvez porque já estivesse com algum criminoso plano arquitetado. 

Chegou por fim o dia da festa de São Genaro. Nessa manhã, o velhaco pescador não queria ir à missa, com receio de que o santo lhe lembrasse a promessa Não querendo, no entanto, perder a função, resolveu assistir ao ofício divino da sacristia, exatamente às costas do santo. 

São Genaro, porém, estava de olho bem aberto. Logo que viu Ciccillo cruzar a praça da Matriz e dirigir-se para trás do templo, rumo à sacristia, chamou-o apressadamente: 

- Olá Ciccilo! Vem cá! E o feixe de velas, Ciccillo? 

Ele, apesar da gritaria de São Genaro, que se ouvia a légua e meia, tocava adiante, impertérrito, olhando do lado oposto e fingindo não escutar os chamados. Desta forma, o dia fatídico passou, dia comprido que não se acaba. 

Daí em diante, o descarado mentiroso julgou-se quite de qualquer compromisso com o santo. “Me cobrou, me envergonhou em praça pública, eu agora não pago mesmo.” 

Quando o povo de Nápoles ficou ciente dessa tramóia, inventou o tal provérbio popular: “Passata la festa gabbato lo santo.” “Passada a festa, caloteado o santo.” 

Ora! o que vem por aí, no fim do ano, é uma grande cópia de promessas. Se você não tem problemas, não se preocupe. Os candidatos encontrarão alguns bem cabeludos ou os inventarão se for necessário. Daí farão miríades de promessas de os resolver. Passado o quê, vem o imenso, o inominável, o abominável calote. 

Até outra safra.

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