- "Não acordamos ao abrir os olhos, mas antes disso, quando ainda de olhos fechados, temos plena consciência de que podemos fazê-lo."
Jon Talber[1]
O aumento de informação não torna sábio o homem, apenas amplia suas escolhas...
Uma das maiores e controversa questão de todos os tempos tem sido a busca por uma definição universal do que vem a ser inteligência. Não parece uma tarefa simples, uma vez que a cada nova geração, novas ideias e métodos são acrescentados à imensa lista de conceitos já homologados como válidos para tal aferição, medida, ou definição.
O cérebro humano é dotado de uma capacidade inata que é pensar. Ele pensa a despeito de nossa vontade, e nossos pensamentos não podem ser evitados, e o máximo que podemos conseguir, com treino e perseverança, é torná-lo um tanto, digamos, seletivo.
Podemos assim dar atenção a alguns e desprezarmos outros. Pensar não é sinal de inteligência, trata-se de um atributo inato do cérebro, desde que tenha lastro para isso. Lastro quer dizer memórias, lembranças. E nesse campo os conceitos éticos e morais, assim como as regras e normas de comportamento de uma sociedade, são meras informações, dentre milhares de outras que fazem parte daquele repositório.
Imaginemos o motor de um veículo, que a despeito de sua propriedade inata, de fábrica, de gerar energia para movimentá-lo, só é capaz de realizar tal proeza se existir combustível para ser queimado. O cérebro, o bloco onde tudo isso acontece, é o motor, o combustível as memórias.
A capacidade, o movimento capaz de gerar energia a partir do combustível seria o pensamento. Ou seja, sem memórias, que é o combustível, o movimento de percorrê-las criando cadeias lógicas que podemos chamar de pensamentos, não pode ocorrer.
Domesticar um animal é simples, basta que os ensinemos a imitar certos gestos em troca de compensações. Depois de treinado por um tempo, a simples lembrança da recompensa o faz lembrar daquilo que deve realizar para ganhar seu quinhão, ou agrado.
Ele pensa, logo é capaz de reagir aos estímulos conhecidos. Reagir, quer dizer, reconhecer uma instrução ou parâmetros de um gabarito, e reproduzir, executar os procedimentos adequados que conduzem a uma determinada ação, ou feito.
Roteiro ou receita sempre resulta em alguma ação. Observe como nosso comportamento é parametrizado, isto é, segue padrões, regras pré-estabelecidas, que nos dizem o que fazer, como fazer, como interpretar, como sentir, etc. Agimos segundo parâmetros que regem nossos atos e pensamentos, não há outro modo.
Um computador funciona do mesmo modo. Diante de uma solicitação de serviço, ele recebe como ponto de partida para sua ação, alguns parâmetros, e nos devolve o procedimento esperado. Quando crianças, fomos domesticados do mesmo modo que um animal não amestrado.
Isso é, para realizarmos algumas tarefas, primeiro nos mostraram como realizá-las, depois, como incentivo para que nos empenhássemos em apreendê-la, ao final de cada atividade, sempre fomos recompensados, ora com castigos, ora com afagos, ora com presentes.
Mas, com o passar dos anos, já crescidos, nosso repertório de coisas conhecidas já é bastante amplo, o suficiente para sabermos exatamente aquilo que nos desagradava ou agradava, assim como seus consequentes desdobramentos.
Observe a perfeição dos movimentos de uma máquina programada, no exercício de suas tarefas, e poderá mesmo supor que além de inteligente ela sabe o que está fazendo...
Quer dizer, temos agora plena consciência não apenas daquilo que nos desagrada ou agrada, mas também das conseqüências, desvantagens ou vantagens que estão implícitas, os efeitos relativos a cada situação experimentada, ou ação por nós praticada.
Temos então a informação e a experiência, e juntas, ambas formam nossa personalidade, nosso repertório cultural, de onde brotam nossas habilidades pessoais e profissionais, nosso lastro para opinarmos e nos sentirmos como indivíduos identificados.
Observando de mais perto o que podemos constatar? Há a experimentação, dor, alegria, angústia, medos, etc., e a tudo isso nosso cérebro, de forma involuntária se encarrega de gravar. Servirá de base para futuros experimentos, para comparações, sendo, portanto, medidas que nos permitem compreender as repetições.
E existem as interpretações baseadas nos padrões sociais, na tradição cultural, costumes de uma civilização ou nação. Assim, compreendemos nossas experiências com base nesse padrão estabelecido como regra de vida, onde estão incluídos os tabus, e tudo mais. Ser capaz de reproduzir o que nos recomenda a “cartilha” do viver é então considerado um sinal de inteligência.
Para um cérebro analógico, como é o nosso, a descoberta de um antigo artefato, ou costume, significa novidade...
Assim, segundo esse conceito universalmente aceito, ser capaz de imitar é o mesmo que ser inteligente. Mas, imitar não é uma capacitação adquirida, trata-se de um atributo inato de qualquer ser vivo. Faz parte de sua cadeia genética. Uma célula imita a outra e assim é possível restaurar as danificadas. Imitar é uma qualidade inata que não requer de aprendizado algum. No entanto, saber o porquê se imita, isso requer aprendizado.
Se agir por repetição não é capacitação e sim apenas um atributo involuntário e instintivo, por que consideramos isso um ato de inteligência voluntária? Não consideramos, nossos ancestrais e cientistas de outros tempos o fizeram por nós, e mais uma vez, apenas repetimos a ideia, e assim vivemos. Não é assim para tudo? Observe nossas crenças, medos, ideais de felicidade, objetivos de vida, opiniões sobre qualquer coisa.
O que há de novo sobre a terra, inédito, que nunca foi experimentado, vivenciado, construído por outros, em outros tempos, com outras formas? As formas de expressarmos nossos medos nós criamos? Do mesmo modo, todas as rotas expressas de fuga para estas causas, também, foram criadas pos nós? E toda nossa bagagem de conceitos e preceitos que povoam nossa psique, lá dentro, há algo definitivamente inédito, novo, criado por nós?
Se imitar é sinal de inteligência, o computador é o mais sábio dentre todos os sábios jamais existentes em nosso mundo. Ele é capaz de imitar com perfeição, sem cometer erros, mais rápido que qualquer um de nós, com maior precisão, e sequer são “seres” vivos, pelo menos dentro da ideia biológica que define a ciência.
Falhos, absolutamente falíveis, incapazes de resolver os problemas mais antigos do homem, os mesmos dos tempos imemoriais, as mais simples causas de todos os nossos sofrimentos e conflitos, ainda assim, apenas porque somos capazes de criar máquinas eletrônicas que nossos ancestrais trogloditas sequer sonharam, nos julgamos inteligentes.
Seria sinal de inteligência viver com medo, incapazes de cultivar a paz entre semelhantes, ver na destruição do oponente vitória, acreditar que o acumular conhecimento e riqueza é sabedoria? De que nos serve tudo isso se não somos permanentes, ou sequer tão longevos quanto nossas moradas de concreto e cimento?
Nada criar e apenas imitar, repetir, mesmo aquilo que sabidamente não nos serve para nada, esse parece ser o nosso papel sobre a terra. Não seria então um sinal de inteligência o perceber claramente tudo isso, essa tremenda limitação, essa incapacidade pessoal e coletiva de sermos felizes, ao menos segundo as incontáveis fórmulas e métodos que insistimos em repetir através dos tempos?
Dizia um velho adágio: “O sábio olha para trás, não porque esqueceu algo, mas, para ter certeza de que não está mais no mesmo caminho.”.
Notas:
[1] Jon Talber é pedagogo e escritor de temas de auto-ajuda. Estudou por muito tempo filosofia oriental e antropologia.
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