sexta-feira, 4 de maio de 2012

Teoria da justiça

O principal objetivo da humanidade desde os tempos mais remoto, é a busca pela justiça, ou seja, a felicidade e harmonia plena que se encontra na verdadeira justiça. Como dizia Sócrates justiça é “aquela simetria entre o justo agir e o reto pensar”.
Só que para a maioria dos autores a justiça se fazia dos mais fortes em cima dos mais frágeis, como diz Platão “Sustento que o justo outra coisa não é senão o interesse do mais forte” ou como afirma Cálicles “ O critério da justiça é o domínio e a supremacia dos mais capazes sobre os menos capazes.”
Já para Aristóteles a justiça é a lei, se você segue a lei está praticando a justiça, ou seja, o homem sem a lei seria injusto, como ele próprio diz:

“(...) vimos que o homem sem lei é injusto e o respeitador da lei  é justo; evidentemente todos os atos legítimos são, em certo sentido, atos  justos, porque os atos prescritos pela arte do legislador são legítimos, e  cada um deles dizemos nós, é justo. Ora nas disposições que tomam sobre todos  os assuntos, as leis têm em mira a vantagem comum, quer de todos, quer dos melhores ou daqueles que detém o poder ou algo desse gênero; de modo que, em certo sentido, chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar, para a sociedade política, a felicidade e os  elementos que a compõem. E a lei nos ordena praticar tanto os atos de um homem corajoso (...) quanto a de um homem morigerado (...) e os de um homem calmo (...); e do mesmo modo com respeito às outras virtudes e formas de maldade, prescrevendo certos atos e condenado outros; e a lei bem elaborada faz essas coisas retamente , enquanto as leis concebidas às pressas fazem menos bem.”

A Justiça  é o objeto principal de todas as instituições da sociedade. Sendo que muitas vezes não conseguimos separar o conceito de direito e a idéia de justiça, pois achamos que a corrente ideológica do Direito Positivo tem aparência de justiça. Mas se no Direito Positivo distinguirmos o direito e a justiça de formas diferentes, não interligadas, este terá o aspecto de que nem sempre será justo na sua aplicação.
Sendo que uma sociedade justa é interpretada por nós, como uma sociedade em que a lei está de pleno acordo, ou seja, satisfaz  todos os integrantes desta ordem social. Como nos diz Kelsen “A justiça é a felicidade social.”
É obvio que esta sociedade plenamente justa não pode existir, pois esta felicidade nunca atinge a todos os integrantes. Sendo que  cada um pensa individualmente, e desta forma, cada qual tem o seu conceito de justiça, e que muitas vezes estes conceitos entram em conflitos com os conceitos dos outros. Sendo assim o que é justo para mim, pode não ser justo para o você.

A concepção de justiça pode também ser trabalhada no sentido do contrato social.
No contrato social nós tínhamos o estado de natureza e a sociedade civil. Para Rawls o contrato social quer dizer que cada indivíduo tem o seu valor marcado pela posição social em que ele está e de acordo com sua capacidade. Então existe o patrão, e este tem o seu empregado. O empresário pode ser contrario a um aumento de salário, por exemplo, um salário de 500 subir para 1.500 reais. Já o trabalhador certamente é favorável, então vemos que os valores são marcados pela posição. Cada pessoa tem em si uma concepção de justiça, que é marcada por situação, por uma série de valores, não só econômicos, como religiosos. Por exemplo, os católicos têm determinados valores que um muçulmano não tem, e que uma pessoa que é ateu também não vai ter.

Sendo então o que se precisa dento desta sociedade com diversos tipos de valores. A sociedade hoje em dia é eclética, existe uma pluralidade de valores. Para resolver este problema deveríamos fazer existir a possibilidade de construir alguns valores para convivência de todos. Ele nos propõe que ao invés de dizer que vive num estado de necessidade, nós devemos imaginar, uma ficção, ou seja, uma posição original, onde todos nós estaríamos sob o “véu da ignorância”, ou seja, aquele patrão estaria numa situação em que, não saberia que na sua sociedade ele seria um empresário, e onde a pessoa que estaria lá na classe mais baixa, não saberiam que estavam numa classe mais baixa, então, sem saber o que seriam num segundo momento, estas pessoas escolheriam este tipo de justiça.

Este é considerado o primeiro momento para Rawls, onde ele substituiu o estado de natureza por esta posição original, ou seja, pessoas que não sabem o que vão ser na outra etapa. P intuito disto é que, as pessoas não sabendo o que vão ser, mas sabendo que esta sociedade é uma sociedade de classes, que vai existir gente que vai ter mais e vai ter gente que vai ter menos, ela tem que escolher alguns princípios de justiça. Estes seriam dois, o primeiro é que existiria sempre um espaço de liberdade que ninguém poderia ocupar, a liberdade de opinião, a vida humana, a propriedade, o direito de viver em união. Existe outro aspecto, que seria um princípio de justiça; sabemos que existem desigualdades, o fato de que algumas pessoas têm mais e outros têm menos, e sabemos que os talentos naturais que a gente recebe por carga genética, não são injustos em si, mas existem injustiça no tratamento que as instituições dão para esta nossa capacidade, ou seja, ele acredita que o estado tem um papel a cumprir neste instante. Resumindo, o estado tinha que tirar dinheiro de quem tem mais e dar pra quem tem menos.  Se o patrão não estivesse neste “véu de ignorância” (classe alta) ele diria que deveríamos ser neoliberais. O Estado, não teria nada a fazer, a não resguardar o funcionamento do mercado, apenas impedir o roubo, dar certas condições para que a livre iniciativa pudesse ocorrer e algumas coisas a mais. Mas, e aquele que está lá embaixo? Sabendo que está lá embaixo, o que ele vai fazer? Ele vai reivindicar, emprego, salários e condições mínimas.

Mas sem saber isso, ou seja, sob o “véu da ignorância”, ele não saberia se vai estaria por baixo ou não. Então todos iriam optar por esta justiça,  já que alguns tem que ter mais, deveria existir um órgão, ou seja, o Estado, que reverta isto, que tire de quem tem mais e dê para quem tem menos. Este é o contrato social de Rawls, e é o que está sendo discutido hoje.
Na doutrina neo liberalista se prega que o Estado não tem papel nenhum neste aspecto, ele simplesmente tem em função de polícia. Para Rawls não, ele diz que o Estado tem que distribuir, que tem que cobrar imposto de quem tem mais e que deve fazer uma distribuição disto. Mas este também terá uma  função de polícia dentro do Estado. O Estado poderia mexer legislação, ele poderia se meter no mercado mudando as regras e incluindo um diferencial, seria uma típica decisão dentro de um neo contratualismo, em que o Estado interfere. Por exemplo o governo que apoia os universitários, sendo que o empresário que o contrata, paga a sua bolsa, e o estado pagaria a metade desta. E se este estado fosse dentro de uma análise neo liberal, ele não teria nada a ver com isso, ou seja, não teria nem universidades federais dando o ensino gratuito.                                   

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. [Tradução Luís Carlos Borges; revisão Péricles Prade]. 2ª ed. São Paulo : Martins Fontes, 1992.
FREITAS, Juarez. As Grandes Linhas da Filosofia do Direito. 3ª ed. Rio Grande do Sul: EDUCS, 1986.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Lisboa: Presença, 1993.

O que é filosofia


Quem sou?
Por que estou aqui?
Como o mundo começou?
Existe um Deus?

Se você já se fez uma ou mais dessas perguntas, está a caminho de se tornar um filósofo. Filósofo é aquele que pensa sobre o mundo e se questiona sobre ele.
E Filosofia, o que é?

A palavra "Filosofia" significa amor pela sabedoria, do grego philos (amigo ou amante) e sophia ( sabedoria ou conhecimento). A Filosofia começa quando não tomamos mais as coisas como certas, questionamos como as coisas são. Para Platão (428 - 354 a.C.), um dos antigos filósofos que viveu há mais de dois mil anos, a filosofia é fruto da capacidade do homem de se admirar com as coisas.

Uma historinha que nos explica bem o significado da filosofia e sobre o que é ser filósofo é contada no livro O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder. Nessa história, o autor compara o Universo a um coelhinho branco tirado de uma cartola por um mágico, e nós, seres humanos, ele compara com seres microscópicos que viviam nos pêlos do coelho. Assim, os bebês e as criancinhas nascem nas pontas do pêlo do coelho, mas, conforme elas crescem, vão se escorregando pelos pêlos e, quando aquelas crianças já eram adultas, elas já estavam na pele do animal. Como este lugar é bem quentinho e macio, estas pessoas acabam se acomodando neste lugar e ali ficam pelo resto de suas vidas. Já a explicação desta história é a seguinte: Os bebês e as crianças quando nascem são extremamente curiosos, prestam atenção em tudo, realmente reparam tudo o que as cerca, e, por isso, elas estão nas pontas dos pêlos do coelho. Conforme estas crianças vão crescendo, elas vão parando de se admirar com o mundo que as cerca, vão se "habituando" com tudo, vão deixando de lado a curiosidade. Assim, elas já estão escorregando nos pêlos em direção a sua base. Quando se tornam adultas, elas já não têm mais curiosidade nenhuma sobre o mundo, elas acham que tudo que acontece é normal, que nada é diferente, nada lhe chama a atenção, ou seja, elas se acomodam com o mínimo de informações necessárias. Estas pessoas já estão na pele do coelho e ali se acomodaram e não tem perspectiva nenhuma de sair daquele lugar. Os filósofos são aqueles que não querem se acomodar na pele do coelho,eles questionam o mundo a vida toda, buscam respontas para suas perguntas, pois amam o saber, o conhecimento. Assim, os filósofos são queles que saem da pele do coelho e escalam seu pêlo, para chegar até as pontas do mesmo, para assim poder olhar para todo o universo e, principalmente, para tentar olhar nos olhos do grande mágico que tirou o coelho da cartola!!!

PARA QUE SERVE A FILOSOFIA
 Física, Química, Biologia e até Matemática já fizeram parte da Filosofia. Mas, com o avanço da tecnologia, a filosofia e a ciência se separaram. Então, para que serve a filosofia hoje em dia? Atualmente, os filósofos são muito mais procurados por serem preparados para pensar claramente sobre os problemas. É comum jornais e outros meios de comunicação perguntarem a opinião de filósofos sobre os temas atuais. Até governos, hospitais, museus e arquitetos pedem seus conselhos e pareceres. Muitos filósofos trabalham em universidades. Eles ensinam aos jovens como pensar e argumentar claramente estudando outros filósofos.
Enfim, a filosofia impede a estagnação e desvenda o que está encoberto pelo costume, pelo convencional, pelo poder. Ela é a procura da verdade, não a sua posse, como disse Jaspers, filósofo alemão contemporâneo, concluindo que "fazer filosofia é estar a caminho; as perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta".

"O que a filosofia nos ensina é o risco de tomar por certo aquilo que deveríamos prestar atenção cuidadosa, bem como a possibilidade de descobrir, sob o prosaico comum e rotineiro, um universo de extraordinária riqueza e variedade, diante do qual podemos somente nos maravilhar." Frase de Matthew Lipman, filósofo norte-americano.

Direito e Linguagem 2


II – DISCURSO JUDICIAL

Adota-se na esfera jurídica a linguagem conceitual. Na verdade, é a própria estrutura do discurso judicial que determina o uso da linguagem conceitual.
No âmbito do processo de conhecimento, verificamos que o autor formula uma tese e o réu apresenta a antítese, cabendo ao órgão judicial formular a síntese.
A tese consubstancia-se na demanda: ato jurídico processual, mediante o qual o autor manifesta sua vontade no sentido de obter uma tutela jurisdicional visando a um bem da vida que possa satisfazer suas necessidades. Pela demanda, dá-se início ao exercício do direito de ação. A petição inicial é o instrumento da demanda.
A demanda ostenta, como elementos identificadores, as partes, o pedido e a causa de pedir. Uma demanda é idêntica à outra quando têm as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido (CPC - art. 301, § 2º).
Conforme art. 282 do Código de Processo Civil: a)- partes são o autor e o réu, ou seja, os sujeitos do processo distinto do órgão judicial (inciso I); b)- causa de pedir consiste no fato e nos fundamentos jurídicos do pedido, isto é, traduz as alegações fáticas e jurídicas que embasam ou justificam o pedido do autor; c)- e o pedido tem, como objeto imediato, a invocação da tutela jurisdicional e, como objeto mediato, o bem da vida que se pretende obter.
O autor indicará, no ato da demanda, as provas com que pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados.
A antítese consubstancia-se na contestação: ato jurídico processual, mediante o qual o réu manifesta sua vontade no sentido de resistir à pretensão do autor veiculada mediante a demanda.
Na contestação o réu deve alegar toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir (CPC - art. 300). Além disso, mediante contestação cabe ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados pelo autor, sob pena de se presumirem verdadeiros os fatos não impugnados (CPC - art. 302).
Depreende-se assim que os elementos da contestação são as partes, a impugnação do pedido, e as razões de fato e de direito que fundamentam a impugnação. E o réu fará indicação das provas necessárias para demonstrar a veracidade dos fatos narrados como razões de impugnação.
Na contestação, portanto, encontramos os seguintes elementos:
a)- partes, que são o réu em face do autor;
b)- razões da impugnação, que são as alegações precisas e completas, sob os prismas fáticos e jurídicos, que fundamentam a impugnação do réu quanto ao pedido do autor;
c)- impugnação, que se traduz na manifestação de vontade do réu no sentido de obter tutela jurisdicional quanto a considerar improcedente o pedido formulado pelo autor.
Consideram-se provas todos os meios legais ou moralmente legítimos, que são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se fundam a demanda e a contestação (CPC - art.332). E todos têm o dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade (CPC - art. 339).
Mostramos que logos é a palavra racional do conhecimento do real. Logos é discurso, isto é, argumentos e prova da sua veracidade.
Constatamos assim que os atos processuais (demanda e contestação) são discursos que se contrapõem como tese e antítese, respectivamente. Os atos das partes consistem em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, visando à produção dos efeitos de constituir, modificar ou extinguir direitos processuais (CPC - art. 158). Consubstanciam postulações das partes, fundamentadas em alegações ou argumentos que exigem prova da sua veracidade.
Quanto à síntese, cabe ao órgão judicial, mediante provimentos (despacho, decisão interlocutória ou sentença), promover o desenvolvimento regular e a conclusão do processo, visando à prestação da tutela jurisdicional. Decisão interlocutória é ato pelo qual o juiz resolve questão incidente, durante o curso do processo. Sentença é o ato pelo qual o órgão judicial extingue o processo, decidindo ou não o mérito da causa. Uma das formas de extinguir o processo, mediante julgamento do mérito, consiste em o juiz prolatar sentença para acolher ou rejeitar o pedido do autor.
Sabe-se que a jurisdição visa à aplicação da norma jurídica ao caso concreto, solucionando uma lide, ou seja, um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. O exercício da função jurisdicional visa à formulação de norma jurídica concreta que deve reger determinado caso; ou ainda, visa à atuação prática dessa norma concreta.
A jurisdição tem como escopo à aplicação do Direito, agindo o órgão judicial em substituição das partes conflitantes.
À luz da doutrina de Moacyr Amaral dos Santos, a sentença se apresenta como um silogismo:
"Diz-se, assim, que a sentença, na sua formação, se apresenta como um silogismo, do qual a premissa maior é a regra de direito e a menor a situação de fato, permitindo extrair, como conclusão, a aplicação da regra legal à situação de fato" (in Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 3º, Editora Saraiva, 1995).

A sentença tem os seguintes elementos essenciais:
I - relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - a motivação, ou seja, os fundamentos em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - a conclusão ou dispositivo, em que o juiz resolve as questões que as partes lhe submeteram.
Ressalte-se que a Constituição Federal prevê que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (art. 93, inciso IX).
Consoante Código de Processo Civil, o juiz não pode se eximir de despachar ou sentenciar, alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide, cabe ao juiz aplicar as normas legais. Se não houver normas legais regendo a matéria, o juiz valer-se-á da analogia, ou dos costumes ou dos princípios gerais de direito.
Considerando o princípio da correlação ou congruência, o juiz deverá preservar a correlação entre o pedido contido na demanda e o dispositivo da sentença; pois lhe cabe decidir a lide nos limites em que foi proposta (CPC -arts. 128 459 e 460).
O juiz apreciará livremente as provas, tendo em conta os fatos e as circunstâncias contidas nos autos processuais. Exige-se que o juiz indique, na motivação ou fundamentação da sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento (CPC - art. 131). Trata-se aqui do princípio da persuasão racional do juiz.
Logos é pensamento, isto é, raciocínio e demonstração. Permite-se ao juiz formar livremente sua convicção. O juiz desenvolve raciocínio, formando sua convicção íntima. As provas têm o mesmo grau de eficácia. Nenhuma prova, por si só, é mais importante do que qualquer outra. Ocorre que não basta raciocínio do juiz, cabendo-lhe completar o pensamento mediante demonstração da exatidão da sua convicção.
Realidade significa os nexos e ligações universais e necessárias entre os seres. Cumpre ao juiz, ao proferir uma sentença, enfrentar a questão da realidade. Isto significa então que a questão posta em juízo há de ser considerada em função dos nexos e ligações universais e necessários entre os seres. Tal aspecto ensejará a solução da lide com justiça.
André Comte-Sponville diz que:
"A justiça é aquilo sem o que os valores deixariam de ser valores (não seriam mais que interesses ou móbeis), ou não valeriam nada" (in Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, Martins Fontes, São Paulo – 1998). A justiça se considera em dois prismas: como conformidade ao direito, e como igualdade ou proporção. Para se cogitar da justiça, há de se considerar a vida em sociedade. A justiça é humana; juridicamente, não há justiça sem leis. Moralmente, não há justiça sem cultura.
Se para salvar a humanidade fosse preciso condenar um inocente, ou torturar uma criança, teríamos de resignar a fazê-lo? Não, responderiam os pensadores. "Se a justiça fosse apenas um contrato de utilidade, como queria, por exemplo, Epicuro, apenas uma otimização do bem-estar coletivo, como queriam Bentham ou Mill, poderia ser justo, para a felicidade de quase todos, sacrificar alguns, sem seu acordo e ainda que fossem perfeitamente inocentes e indefesos. Ora, é o que a justiça proíbe, ou deve proibir" (obra citada).

Direito e Linguagem


I - LINGUAGEM

 Focalizamos, em primeiro lugar, a importância da linguagem. Para Aristóteles, o homem é um animal político (social e cívico), pois somente ele é dotado de linguagem. Animais têm voz, exprimindo dor e prazer. Só homem possui palavra, exprimindo e possuindo, em comum com outros homens, valores que viabilizam vida social e política. Para Platão a linguagem é um pharmakon: remédio, veneno e cosmético.

Na Bíblia Sagrada, a palavra tem força criadora, pois no princípio era o verbo; com a palavra tudo foi feito ("Faça-se a luz... e a luz foi feita"). Sobre a Torre de Babel, ficamos sabendo que Deus lançou a confusão entre os homens, fazendo com que perdessem a língua comum e passassem a falar línguas diferentes, que impediam uma obra em comum, abrindo as portas para todos os desentendimentos e guerras.
Linguagem é "instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base mais profunda da sociedade humana” (obra citada).

Linguagem nasceu da necessidade de expressão e comunicação. "Linguagem é forma propriamente humana da comunicação, da relação com o mundo e com os outros, da vida social e política, do pensamento e das artes” (obra citada).
Mitos (em grego mythos) significa narrativa sobre origem dos deuses, do mundo, dos homens, das técnicas e da vida do grupo social ou da comunidade. Mythos também significa linguagem, no sentido de que os homens, mediante palavras, conseguem organizar a realidade e interpretá-la.

Examinando o Direito Romano, sabemos que, na sua origem, o direito não era um código de normas legais. Direito era um ato solene no qual o juiz pronunciava uma fórmula pela qual duas partes em conflito solucionavam a lide. Direito era uma linguagem solene de fórmulas conhecidas pelo árbitro e reconhecidas pelas partes conflitantes em juízo. Era um juramento pronunciado pelo juiz e acatado pelas partes.
Modernamente, ainda encontramos presente a idéia de que, numa comunidade, dar sua palavra representa dar sua vida, sua consciência, sua honra, assumindo assim compromisso que só poderá ser desfeito com a morte ou com anuência da outra parte.

Quanto à dimensão da Linguagem, os gregos conheciam duas palavras para se referirem à palavra e à linguagem: mythos e logos.
Logos, para os gregos, é síntese de três conceitos: fala (palavra), pensamento (idéia) e realidade (ser).
Logos é a palavra racional identificadora do conhecimento do real. É discurso (ou seja, argumento e prova), pensamento (ou seja, raciocínio e demonstração) e realidade (ou seja, os nexos e ligações universais e necessários entre os seres). (Vide obra citada).
Conceituando linguagem, destacamos que "linguagem é um sistema de sinais com função indicativa, comunicativa, expressiva e conotativa". "Linguagem é sistema de signos ou sinais usados para indicar as coisas, para a comunicação entre as pessoas e para a expressão de idéias, valores e sentimentos”.(Vide obra citada).

Quanto às características da linguagem, nos conceitos acima podemos extrair as seguintes afirmações:
a)- linguagem é sistema - um todo estruturado com princípios próprios;
b)- linguagem é sistema de signos ou sinais – signos são objetos que indicam outros objetos, designam outros objetos ou representam outros objetos;
c)- linguagem indica coisas - palavras têm função de apontar coisas que elas significam – função indicativa ou denotativa;
d)- linguagem tem uma função comunicativa – mediante palavras estabelecemos relações com os outros seres humanos;
e)- linguagem exprime pensamentos, sentimentos e valores – função conotativa, ou de conhecimento e expressão.

Revela-se importante distinguir linguagem simbólica e linguagem conceitual.
A linguagem simbólica assim se caracteriza: opera por analogias e por metáforas; realiza-se como imaginação; é inerente aos mitos, à religião, à poesia, ao romance, ao teatro; fascina e seduz, por ser fortemente emotiva e afetiva; oferece imagens ou sínteses imediatas; oferece palavras polissêmicas, ou seja, carregadas de múltiplos sentidos simultâneos e diferentes, tanto sentidos semelhantes e em harmonia, quanto sentidos opostos e contrários; faz a criação de um outro mundo, análogo ao nosso, porém mais belo ou terrível do que o real; destaca a memória e imaginação, focalizando um futuro ou passados possíveis.
A linguagem conceitual tem as seguintes características: é inerente à filosofia e às ciências; procura dar às palavras sentido direto e não figurado, evitando analogia (semelhança entre palavras e sons) e metáfora (uso de palavras para substituir outras, criando sentido poético para expressão do sentido); evita uso de palavras carregadas de múltiplos sentidos, procurando fazer com que cada palavra tenha sentido próprio e que seu sentido vincule-se ao contexto no qual a palavra é empregada; procura convencer e persuadir por meio de argumentos, raciocínios e provas; busca definir o mundo real, decifrando-o e superando as aparências; busca focalizar o presente, a atualidade. 

Marilena Chauí. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática. 

A luta pelo direito

IDÉIAS DO AUTOR: 

Rudolf Von Ihering, advogado e conferencista, discursou, na Sociedade Jurídica de Viena, no ano de 1872, o tema de sua autoria ¨A LUTA PELO DIREITO¨. 

Tema este que devido ao seu conteúdo, fez tamanho sucesso nas relações jurídicas, tanto em seu país de origem quanto no exterior, que o obrigou a publicá-lo em forma de narrativa objetiva, demonstrando a manifestação do sentimento jurídico, conforme dizia em sua conferência. 

Claro está que esta presente obra não foi um sucesso devido ao conteúdo que informava algo de novo, mas sim, por sua convicção dominante no grande público, seu alvo principal, da exatidão da idéia fundamental que no mesmo se encontra debatida; também fortalecida pelos testemunhos do mundo todo em numerosas traduções. 

Idéias do autor: conceitua o direito subjetivo como ¨a atuação concreta da norma abstrata, de que resulta uma faculdade específica de determinada pessoa¨, ou seja, o direito subjetivo era a própria realização do direito em uma pessoa. Nesta obra, o pensamento de direito subjetivo tem terreno sólido. Ihering tinha constantemente esse conceito em sua cabeça quando escrevia esse clássico da literatura jurídica. Daí decorre o título: ¨a luta pelo direito¨ é a luta pelo direito novo (subjetivo) contra os direitos ¨escudados pelo interesse¨. 

É uma ¨luta contra a violação ou denegação do direito subjetivo¨. 

Direito Objetivo
É a Lei, o Direito Posto. É a regra social imposta a todos, quer venha sob forma de lei ou sob forma de costume, que deva ser obedecido. 
É a norma agendi, reguladora de todas as ações do homem, em suas múltiplas manifestações e de todas as atividades das instituições políticas, ou públicas e particulares. 

Para Ihering: 
“O direito Objetivo é o conjunto de princípios jurídicos aplicados pelo Estado à ordem legal da vida”. 

Direito Subjetivo
O direito em sentido subjetivo quer significar o poder de ação assegurado legalmente a toda a pessoa para a defesa e proteção de toda e qualquer espécie de bens materiais e imateriais, do qual decorre a faculdade de exigir a prestação ou abstenção de atos, ou o cumprimento da obrigação, a quem outrem esteja sujeito. 
Chama-se por isto faculdade agendis, porque, em razão do direito subjetivo, de que a pessoa é titular, vem a faculdade que se mostra de agir na defesa do direito concreto ou isolado, que é de sua substância. 
O direito subjetivo, em seu sentido integral, é composto de quatro elementos, isoladamente definidos: sujeito, objeto, relação jurídica e coação social. 
Para Ihering o direito no sentido subjetivo é a transfusão da regra abstrata no direito concreto da pessoa interessada. 

Na introdução de sua obra “A Luta Pelo Direito” diz ele de forma contundente: 
“Àquele que não sente, quando o seu direito é insolentemente desprezado e calcado aos pés, que não trata simplesmente do objeto deste direito, mas da sua própria pessoa; àquele que não experimenta a irresistível necessidade de defender a sua pessoa e o seu justo direito, não temos que prestar auxílio e nenhum interesse tenho em o converter”. 

Conceito de direito vivente e Mutável 

Ihering afirmou que o processo evolutivo do direito estava embrionário em lutas dos indivíduos pelos direitos subjetivos, lutas essas que poderiam levar séculos. 
Ihering achava-se vítima dos ensinos universitários sobre as teorias de Savigny e Puchta. Vejamos quais eram as idéias destes dois partidários da ciência romanística prevalecente na época de Ihering: 
No historicismo casuístico, o seu compatriota Puchta achava que o direito humano (jurídico-positivo) confunde-se com o direito natural, isto é, com o direito nascido de espírito popular, como convicção ou vontade comum do justo (Volksgeist). O direito era o direito do povo, ou seja, o que surgia da convicção popular íntima comum. 

Savigny era opositor à codificação do direito, por considerá-lo como manifestação característica da livre consciência do povo ou do espírito popular, sob forma do costume, e não como produto racional do legislador, visto que surge na história como decorrência dos usos e costumes da tradição. 
Para Savigny o direito é semelhante ao idioma, e assim sendo, não tem nenhum sentido sua codificação, é imprescindível: 

Diz Ihering: 
“É preciso confessar que o direito, à semelhança da linguagem, admite desenvolvimento, de dentro para fora, imperceptível, inconsciente, ou melhor, orgânico, para me servir da expressão tradicional”. 

Em todos os casos em que o direito existente encontra sustentáculo no interesse, o direito novo não pode chegar a introduzir-se, se não à custa de uma luta que por vezes se prolonga durante mais de um século e que atinge o maior alto grau de intensidade quando os interesses tomaram a forma de direitos adquiridos. 

Esse conflito tem um caráter trágico para aqueles que expôs toda a sua força, todo o seu ser, pela sua convicção, e que sucumbem, afinal, sob o julgamento supremo da história. Todas as grandes conquistas que a história do direito registra: — abolição da escravatura, da servidão pessoal, liberdade de propriedade predial, da indústria, das crenças, etc., foram alcançadas assim à custa das lutas ardentes, na maior parte das vezes continuadas através de séculos; por vezes são torrentes de sangue, mas sempre são direitos aniquilados que marcam o caminho seguido pelo direito ““. 

A Moral Individual 

A escola dos pandectistas alemães tinha como ponto de partida os textos do direito romano e Ihering, opositor à escola exegética alemã, criou a doutrina teleológica. Para ele a ciência jurídica deve interpretar normas de acordo com os fins por elas visados. 
Assim Ihering lendo os romanos disse: 
“… para o homem não se trata somente da vida física, mas conjuntamente da existência moral, uma das condições da qual é a defesa do direito. No seu direito o homem possui e defende a condição da sua existência moral”. 

Sem o direito desce ao nível do animal, e os romanos eram perfeitamente lógicos, quando, sob o ponto de vista do direito abstrato, colocavam os es­cravos na mesma linha dos animais. A defesa do direito é, portanto um dever da própria conservação moral; o abandono completo, hoje impossível, mas possível em época já passada, é um suicídio moral. 

A Luta pelo Direito e a sua Relação com a Sociedade 

Ihering, como Max Weber parte do indivíduo para estudar a sociedade. A sociedade terá os seus direitos se o indivíduo tiver os seus direitos, a sociedade lutará pelos seus direitos se os indivíduos que a compõe lutarem pelos seus direitos no plano individual. 

Ouçamos o que diz Ihering: 
“Como poderia suceder que alguém não estivesse habituado a defender corajosamente o seu próprio direito e se sentisse impelido a expor voluntariamente a vida e a fortuna pelo direito da comunidade? Se abandonado o seu justo direito por amor da comodidade ou por covardia não soube um homem compreender o dano ideal causado à sua honra e à sua pessoa, se nunca conheceu, em matéria de direito, outra medida que não fosse a do interesse material, — como esperar que tal homem tome outro termo de avaliação e pense por forma diversa quando se trata do direito e da honra da nação? Donde havia de sair, pois de repente esse idealismo de pensamento sempre desmentido até esse dia?”. 

Não, aquele que luta pelo direito público e pelo direito internacional não é senão aquele que luta pelo direito privado… O que semeou no direito privado, produz fruto no direito público e no direito internacional.”“. 

Ihering coloca de maneira magistral: 
“Ninguém tentará arrancar o que há de mais precioso para um povo, onde cada um, mesmo nas coisas ínfimas, tem por hábito defender intrepidamente o seu direito”.

Conceitos importantes para o estudo da ética

  • Vontade: é a capacidade ou poder de determinação sobre a forma da realização dos atos. 
  •  Desejo: Falta, carência, ou aquilo que nos impulsiona para a busca da sua realização. 
  • Práxis: O próprio agir e fazer humanos enquanto refletidos que constroem e transformam o meio em que vivemos. 
  • Physis: Ordem natural das coisas. “A palavra indica aquilo que por si brota, se abre, emerge, o desabrochar que surge de si próprio e se manifesta neste desdobramento, pondo-se no manifesto” (BORNHEIM, Gerd A. (org.). Os Filósofos Pré-Socráticos. São Paulo: Cultrix, 1993). Caráter de necessidade da natureza. 
  • Tradição: Memória, conservação e transformação dos valores. Transmissão de valores através de gerações ou épocas. 
  • Transgressão: a atitude transgressiva, ou de não aceitação da norma, pode ocorrer em dois aspectos distintos: 1) A transgressão da norma por um interesse não justificável socialmente; 2) A transgressão da norma considerada anacrônica ou injusta, visando sua superação mediante a instituição de uma nova norma conforme suas necessidade e finalidade. 
  • Moral: Interdições ou regras instituídas e determinadas ou impostas socialmente que objetivam a normatização do comportamento e visam uma coexistência possível entre os indivíduos de determinados grupos sociais. 
  • Ethos: É o modo de ser do homem. Sua formação procede de uma repetição qualitativa de atos que acaba configurando no indivíduo sua “segunda natureza” [cultura], ou seja, a natureza humana. Conseqüentemente, significa “a casa simbólica [do homem] que o acolhe espiritualmente e da qual irradia para a própria casa material uma significação propriamente humana...”. (VAZ, 1999, p.39-40).

Ética e moral: definições


Do ponto de vista etimológico não há distinção entre os termos “ética” e “moral”. Pois, ta êthé (em grego, os costumes) e mores (em latim, hábitos) possuem, com efeito, acepções muito próximas uma da outra; se o termo ‘ética’ é de origem grega (ethos) e o moral, de origem latina, ambos remetem a conteúdos semelhantes, à ideia de costumes, de hábitos, de modos de agir determinados pelo uso.

Posteriormente distinguiu-se ética e moral. A primeira é mais teórica que a segunda, pretende-se mais voltada a uma reflexão sobre os fundamentos que esta última. A ética não designa uma moral, mas uma reflexão sobre as normas instituídas de conduta moral. A ética está relacionada a um ideal de vida. Portanto, uma das perguntas centrais em ética é: O que fazer para ter uma vida boa? Como alcançar a felicidade? 

Ética: A ética ou filosofia moral é uma parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam ou justificam a conduta moral dos indivíduos em sociedade. A justificativa ética não pode ser realizada alheia ao desenvolvimento do conhecimento científico. 

Moral: normas de conduta instituídas por um grupo de indivíduos, ou por um povo, cultura ou sociedade. Tais normas são determinadas conforme os valores vigentes de uma cultura ou pela aceitação de valores universais. Normas e valores variam com as transformações históricas. A moral está relacionada ao dever, possui, portanto, um caráter normativo.

Distinção entre Ética e Moral
Ética (Ethos) Caráter, ambiência que envolve o modo de ser do homem.
Moral (Mores): Costumes
1. Reflexão teórico-crítica sobre o comportamento prático-moral das pessoas.
1. Conjunto de atos e juízos sobre esses atos que exigem uma norma que nos oriente uma determinada conduta como correta em nossas relações efetivas.
2. Aborda problemas de caráter geral, não propõe regras ou normas de conduta para situações concretas.
2. Diz o que fazer em cada situação concreta, mediante a aceitação livre e consciente de uma determinada norma.
O problema do que fazer em cada situação é um problema prático-moral e não teórico ético.
3. Diz qual o fim último visado pelo comportamento moral. A Ética não cria a moral - não é a Ética que estabelece as normas, os princípios e as regras de comportamento. Ela parte do fato do comportamento moral do homem

Definição e conceitos básicos de Ética

A ética é um dos temas mais relevantes da atualidade. A explicação para este fato está certamente relacionada às crises e às novas transformações da sociedade contemporânea. Vivemos uma época de importantíssimas descobertas científicas e tecnológicas, mas também de crises sociais, políticas, econômicas, institucionais, de conflitos étnicos, enfim, de um niilismo generalizante presente na descrença dos valores antes exaltados. 

Presenciamos cotidianamente atitudes que banalizam quase tudo, inclusive a vida. Basta-nos ver os desrespeitos, a violência e a manifestação do individualismo exacerbado, que nos causam indignação e nos impõem uma exigência e um apelo pela ética, considerada, ainda a despeito desses acontecimentos, um valor em si, quiça o maior deles. 

Há uma exigência ampla por um comportamento mais ético em todos os setores da sociedade. Por isso, discute-se ética na política, na educação, nos negócios e na economia, bioética, comitês de ética da pesquisa científica, ética médica, ética na advocacia e nas ações judiciárias, a ética nas práticas psicológicas e na psicanálise, a ética das empresas e das organizações, efetivação dos códigos de ética profissionais, ética da administração pública, ética da mídia e das comunicações, nas relações interpessoais e amorosas etc. 

Tais iniciativas e exigências representam a carência da práxis efetiva do ethos constitutivo do discernimento, da razoabilidade e da responsabilidade, numa época onde reina o niilismo, nascedouro de um utilitarismo e um pragmatismo sem critérios e limites para o discernimento de nossas ações formadoras da cultura. 

Em nossa época paradoxal, como afirma Jacqueline RUSS (Pensamento ético contemporâneo. 2ª ed., São Paulo: Paulus, 1999, p. 7), contexto no qual ocorre por um lado, o “vazio ético” e, por outro, o clamor da exigência ética, algo tão frágil neste início de século, onde a relativização e a banalização de todos os aspectos da existência humana tornaram-se lugar comum, penso que, embora irredutíveis ainda nos indignamos com esta situação. 

A reflexão filosófica é fundamental para discernir e propor soluções aos problemas cruciais relativos a justificação ético-moral, tais como o problema do fundamento, ou seja, como dar razões para as nossas justificativas morais? Como explicar as nossas preferências e a nossa vontade? 

Em fim, em que consiste a liberdade, a pessoa, o dever, o respeito, a finalidade das nossas ações, a responsabilidade, assim como, a definição de uma das questões centrais da investigação ética contemporânea: as relações entre universalismos e particularismos. Em outros termos, é possível hoje admitimos valores universais em ética ou todos os valores morais são relativos?

ENSINO E APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DA PLURALIDADE CULTURAL

A Pluralidade Cultural
Entendemos que o tema Pluralidade Cultural pede uma revisão e também uma transformação de práticas muito conservadoras e tradicionais , que estão aí há muito tempo, que não se pode mais aceitar, até porque são inconstitucionais. O que precisa é uma ampliação do que se conhece sobre as pessoas do Brasil, as histórias, o que essas pessoas fazem pelo país, pesquisar o que são valores e conhecer as vidas. Precisa acabar o sofrimento, com o  constrangimento e tentar acabar com a exclusão social da criança e do adolescente. O tema também fala de misturar escola, comunidade local e sociedade: porque quando se responde as perguntas do dia-a-dia misturando às situações mais complexas o entendimento é mais fácil.

Alunos
Este tema da Pluralidade Cultural faz com que cada um deles possa conhecer suas origens como brasileiro e como participante de grupos culturais específicos. O aluno pode entender a si mesmo, verificar que tem valor, porque vê as diversas culturas presentes no Brasil. Pode se reconhecer. E passa a ter auto-estima como ser. E coopera para se defender de preconceitos e pré-conceitos. É na escola que conhece e vive e percebe injustiças e manifestações de preconceito e discriminação dele mesmo ou de outros e que vai aprender a rejeitar.

Conteúdo
Há a explicação dos direitos da criança e do adolescente, por exemplo: o respeito e a valorização das origens culturais, sem qualquer discriminação. Exige 
1) do professor: atitude completamente em acordo com uma postura ética e por isso vai valorizar a dignidade, a justiça, a igualdade e a liberdade
2)  de todos os cidadãos: o entendimento que a cidadania quer dizer:  direitos e  responsabilidades para todos. Ou seja, para cada um e para com os outros, tanto no que diz respeito aos direitos e deveres individuais como no que diz respeito aos direitos e deveres coletivos. E podemos ver ali  conteúdos importantes  sobre o  conhecimento do Brasil, a riqueza cultural e as contradições sociais aqui encontrados.

O que é a pluralidade cultural, afinal de contas? Diferentes comunidades de diferentes raças formam  várias formas de organização onde há diferentes grupos sociais.
A pluralidade fortalece a democracia porque é um fortalecimento das culturas e também porque há uma grande mistura das várias formas de organização social dos diferentes grupos.
Se a escola trabalha com temas sociais e se compromete com a cidadania, vai obrigatoriamente analisar as relações que tem com o mundo real, vai verificar o que pratica, questionar as informações e os valores que veicula.
É assim que o tema Pluralidade Cultural pode e passará a contribuir para a vinculação efetiva da escola a uma sociedade democrática.

A dúvida viver ou ensinar a Pluralidade Cultural pode até parecer óbvia. Mas... será que se pode ensinar sem termos tido a experiência do viver?
É a educação que ajuda a mudar atitudes, tenta banir a discriminação manifestada em gestos, comportamentos e palavras, que afasta e estigmatiza grupos sociais. A escola também é separadora quando só as meninas fazem balé, e os meninos judô, um exemplo simples, mas contundente. É o comportamento do sistema, não só comportamental e individual, mas de relações sociais. E as relações sociais têm história e permanência.

A escola teria que ser um espaço em que se criariam outras formas de relação social e interpessoal. Isto a partir da  interação entre o trabalho educativo escolar e as questões sociais. A instituição e os professores, interagindo com alunos, funcionários e pais, têm que se posicionar de forma crítica e responsável  construindo relações de confiança. Assim a criança vai perceber e viver o mundo, as pessoas, a si mesma, vai se ver como ser em formação. Vai descobrir as características culturais que partilha com seu grupo de origem como suas circunstâncias de vida, que não o impedirão absolutamente de desenvolver suas potencialidades pessoais.

Como a instituição pode trabalhar a pluralidade cultural?
► Através dos fatos da comunidade ou comunidades que envolvem as escolas, notícias de jornal, rádio e TV, as festas das localidades,  intercâmbio entre escolas a) de diferentes regiões do Brasil, b)  de diferentes municípios de um mesmo Estado.
►respeitar as limitações éticas. É preciso praticar o intercâmbio escolar, consultar órgãos comunitários e de imprensa. Assim há uma co-responsabilização social cujo rumo é o diálogo para o bem da formação de crianças e adolescentes.
► abrir espaço de manifestação para a criança e o adolescente. Expressar-se. Sempre e o tempo todo. Argumentar, perguntar, pedir, responder. Ter voz e saber o que significa a expressão ter voz. Esta experiência só o indivíduo pode ter, ninguém pode ter no seu lugar. E isso é muito bom para o trabalho de Língua Portuguesa. Porque exercita o diálogo, há troca de informações sobre vivências culturais.

O espaço escola é PLURICULTURAL. Tem gente de vários grupos sociais, de várias etnias, todos diferentes. Todos tendo que se aceitar, porque devem sentar-se lado a lado, e receber as mesmas informações, seja de onde for, de que cor for, de que religião for. Diversidade e multiplicidade. Interação entre diferentes, e no entanto todos iguais, onde cada um e todos apreendem e cada um e todos  aprendem e ensinam.

Preconceito ou pré-conceitos?
O professor tem que ter informação, discernimento diante de situações indesejáveis. Precisa ser sensível ao sentimento do outro e precisa QUERER  colaborar na superação do preconceito e da discriminação. Professor não pode se omitir nem acusar tem que ter competência para driblar a situação. Tem que saber tratar com firmeza, esclarecer o que é o respeito mútuo, como se pratica a solidariedade, buscar alguma atividade para exemplificar o que está falando, fazendo alguma coisa junto com seus alunos.
Pode-se, por exemplo, buscar a informação do que os alunos acreditam que é preconceito, discriminação, de forma lúdica: ensinar  cantos, lendas, danças; ouvir o que os alunos trazem consigo porque eles  ensinarão uns aos outros o que é característico do grupo humano do qual participa. E assim pode nascer o respeito recíproco, porque haverá um conhecimento recíproco. Mais do que verbal.

O conhecimento humano é que deve ser o constante objeto de estudo e aprendizagem, onde todos sempre têm a aprender.
Porque é desta forma que se vai invadir o mundo das sombras que é  o mundo da discriminação: trazendo a luz da aprendizagem e do crescimento escolar como um todo para iluminar o preconceito, a discriminação étnica, cultural e religiosa.

O caso dos exploradores de cavernas

AVALIAÇÃO À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO


Este ensaio, inspirado pela magistral obra do Professor Lon L. Fuller da Harvard Law School intitulada O caso dos exploradores de Cavernas, e traduzida para o português pelo Professor Plauto Faraco de Azevedo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, objetiva analisar o referido caso à luz do ordenamento jurídico pátrio, com especial atenção à Carta Magna e ao Código Penal Brasileiro. 

Reconhece-se desde já a variedade de filosofias jurídicas trazidas a lume pelo autor para justificar os diferentes votos proferidos pelos juízes do caso. Sendo assim, não se tem a audácia de pretender construir aqui uma argumentação que figure como única e absoluta solução admissível para o tema, antes pelo contrário. Reconhece-se que uma situação como esta, dado as condições peculiares que a envolvem, favorece argumentações que defendem teses diametralmente opostas. 

O fictício Caso dos Exploradores de Cavernas se inicia em princípios de maio de 4299 quando cinco membros de uma sociedade amadorística de exploradores penetraram em uma caverna de rocha calcárea no Condado de Stowfield. Quando já se encontravam bem distantes da entrada um grande desmoronamento bloqueou-lhes completamente a única saída. Seus familiares, tendo notado a ausência deles, avisaram a sociedade e uma equipe de socorro foi enviada ao local. 

Embora a equipe trabalhasse constantemente novos deslizamentos, que provocaram a morte de dez operários, dificultavam o salvamento. Durante este período os prisioneiros esgotaram as escassas provisões alimentares de que dispunham. 

Descoberto que os exploradores levavam consigo um rádio transistorizado estabeleceu-se a comunicação entre eles e os responsáveis pelo resgate. Tendo aqueles questionado sobre o tempo necessário para as equipes os resgatarem foram informados que a desobstrução demoraria pelo menos dez dias. Descreveram a quantidade de alimentos de que dispunham e perguntaram ao médico da equipe se seria possível sobreviverem com aqueles mantimentos durante os dez dias faltantes. Informados que dificilmente sobreviveriam com o que dispunham um dos encavernados, Whetmore, em nome do grupo, perguntou se poderiam resistir se sorteassem um dentre eles para matar e comer. Muito a contragosto o médico da equipe respondeu afirmativamente. Quanto a um pronunciamento moral sobre a questão não houve quem se dispusesse a assumir o papel de conselheiro. A partir deste momento interrompeu-se a comunicação radiofônica.

No trigésimo segundo dia conseguiu a equipe libertar os exploradores, mas Whetmore tinha já sido morto e servido de alimento a seus companheiros. A morte aconteceu no vigésimo terceiro dia do cativeiro, três dias após cessarem as comunicações de rádio.

Segundo o relato dos quatro sobreviventes [1] dentro da caverna, por sugestão de Whetmore, todos acordaram em sortear uma vítima através de um lance de dados; porém, antes de realizarem o sorteio, Whetmore declarou querer esperar mais uma semana, pelo que foi acusado de violar o pacto. Recusando-se a lançar os dados o fizeram seus companheiros em seu lugar e, para seu infortúnio, a sorte caiu sobre o próprio Whetmore que foi morto e serviu de alimento para os encavernados. 

Após um intensivo tratamento psicológico e nutricional foram os quatro sobreviventes submetidos ao juri popular acusados pela prática de homicídio. Eximindo-se os jurados de expedir o veredicto o caso foi resolvido pelo juiz de primeira instância, o qual declarou culpados os réus e condenou-os à pena capital, em obediência aos ditames da lei do país. Sensibilizados com o desfecho do caso os jurados enviaram uma petição ao chefe do poder executivo para que comutasse a pena de morte em seis meses de prisão. Semelhante documento foi elaborado pelo próprio juiz que proferiu a sentença. O chefe do executivo resolveu esperar a decisão da Suprema Corte à qual recorreram os condenados. Os cinco juízes desta Corte proferiram seus votos. Dois juízes manifestaram-se pela absolvição, dois pela condenação e, devido a abstenção de um dos juízes, ocorreu um empate. Face a esta circunstância foi confirmada a sentença condenatória de primeira instância, mantendo-se a condenação dos acusados.[2]

Como todos os Estados Democráticos de Direito, a República Federativa do Brasil, fundamentada e orientada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, proclama no art. 5°, caput [3], da Carta Magna a vida como direito fundamental do indivíduo. Ao declarar isso quer a Constituição dizer que o indivíduo tem direito a uma continuidade na sua existência como pessoa humana, quer significar que, nas palavras de José Afonso da Silva, tem "direito a não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável". 

É pelo reconhecimento deste direito de continuidade à vida que a legislação penal tipifica e pune os atos atentatórios à existência e à integridade física e moral das pessoas. Assim, eliminar a vida de um ser humano é conduta que se amolda à norma penal incriminadora disposta no art. 121 do Código Penal (homicídio), que prevê pena de reclusão de seis a vinte anos para o autor deste delito. 

Numa primeira análise a solução do caso em tela parece simples: se a norma penal prevê que quem mata pratica conduta típica do homicídio e, se os sobreviventes do caso que se analisa mataram seu companheiro, então a conduta dos sobreviventes se ajusta ao tipo previsto pela norma penal. 

Entretanto, na linha da boa doutrina de Damásio E. de Jesus, a conduta típica não basta para que exista crime pois para que este reste configurado faz-se necessário que o ordenamento reprove o comportamento do sujeito, considerando o fato como ilícito, antijurídico. Geralmente o fato típico também é antijurídico[4], salvante os casos em que fica caracterizada uma das causas excludentes da ilicitude (causa de justificação) que, nos termos do art. 23 do Código Penal são o estado de necessidade, a legítima defesa, e o estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito. As causas excludentes da ilicitude licitam uma conduta humana que se amoldou à figura típica.

Dito isto acredita-se que os sobreviventes do Caso dos Exploradores de Cavernas estariam amparados na legislação brasileira pela excludente de ilicitude prevista no inciso I do artigo 23 e artigo 24, ambos do Código Penal: o estado de necessidade.

Dentre acontecimentos históricos que se tornaram famosos o direito aponta como típicos do estado de necessidade: (a) o caso da fragata "La Méduse", que em 1816 encalhou em um banco de areia na costa africana. Ordenado o abandono do navio, 147 pessoas ficaram numa enorme jangada e o restante dos passageiros e tripulantes em chalupas que deveriam rebocar a jangada. Entretanto os cabos que ligavam as embarcações romperam-se e não foram reatados. A antropofagia foi praticada sobre os corpos dos companheiros mortos. Dos 147 náufragos, salvaram-se 15, alguns dos quais vieram a morrer depois de hospitalizados [5]; (b) o caso do iate inglês Mignonette, que naufragou em julho de 1884. Depois de vários dias no mar, o mais jovem náufrago foi morto pelos companheiros, que mais tarde alegaram estado de necessidade perante o júri.

Os doutrinadores pátrios também exemplificam casos que configurariam típicos estados de necessidade. Cite-se, como exemplo, Magalhães Noronha, que aponta como clássicos os casos "do expectador de uma casa de diversões que incendeia e que para se salvar fere ou mata outro expectador; o do alpinista que precipita no abismo o companheiro, visto que a corda que os sustenta não suporta o seu peso etc." e continua afirmando estarem, "sem a menor dúvida, compreendidos como estado de necessidade os casos da tábua e dos dois náufragos (tabula unius capax), e de antropofagia, em que, em expedições, morrendo à fome, os expedicionários combinam matar e comer um companheiro".

Para que se configure o estado de necessidade a doutrina aponta como requisitos indispensáveis: 

a) Atualidade do perigo: consiste na exigência de que o perigo seja atual ou que esteja na iminência de ocorrer. A caracterização de um simples perigo eventual não legitima a aplicação da excludente da ilicitude; 
b) Inevitabilidade do perigo: a situação deve estar de tal forma configurada que não admita outra forma de o sujeito resguardar o bem jurídico sem violar direito alheio. Também deflui deste requisito que o meio empregado pelo sujeito deve ser o menos nocivo possível. O sacrifício de bem jurídico de terceiro inocente só é admitido pelo ordenamento jurídico como recurso último para que o sujeito proteja direito seu ou de terceiro; 
c) Que o perigo não tenha sido voluntariamente provocado pelo sujeito; 
d) Razoabilidade da conduta do agente: É necessário que não seja razoável se exigir o sacrifício do bem juridicamente tutelado do agente, devendo existir, pelo menos, um equilíbrio entre os direitos em conflito. Consiste, em outras palavras na inexigibilidade de sacrifício do bem ameaçado, isso porque não se pode exigir de ninguém conduta de santo ou mártir a sacrificar bem seu em nome da preservação de bem de outrem frente a perigo para cuja ocorrência não concorreu. 

Presentes estes requisitos configurado está o estado de necessidade a licitar a conduta típica do sujeito. 

Relativamente ao caso que aqui se estuda nota-se que (a) o perigo de morte era iminente, tendo o próprio médico da equipe de salvamento admitido que eram praticamente inexistentes as chances de sobreviverem os exploradores pelo período mínimo estimado de dez dias para o sucesso das operações de salvamento; (b) a caverna calcárea na qual encontravam-se enclausurados os exploradores não oferecia qualquer forma de alimento que pudesse ser utilizada ao invés da própria carne humana dos próprios exploradores. Matar um companheiro para da sua carne se alimentar foi o único recurso possível para satisfazer a necessidade vital de alimentação; (c) ao perigo de morte por inanição nenhum dos exploradores tinha dado causa já que a caverna subterrânea em que se encontravam presos teve sua saída bloqueada por um desmoronamento natural; (d) os bens jurídicos em conflito são a vida de cada um dos exploradores não sendo razoável exigir que um deles sacrificasse a vida para resguardar a dos outros. 

Vê-se, portanto, que sob o império da legislação penal brasileira o estado de necessidade resta cabal e plenamente configurado no Caso dos Exploradores de Cavernas. Os sobreviventes seriam absolvidos da acusação de homicídio. A Carta Constitucional não preve solução diversa. O bem jurídico que estava em jogo era a vida e ela a Constituição erigiu a patamar de direito fundamental. Quando o direito à vida de duas pessoas entram em conflito sem que nenhuma tenha dado causa para que isso ocorresse e sem que haja outra maneira de se resolver a situação não há como a Carta Magna declarar o direito de uma pessoa a viver em detrimento da outra, sem violar o direito tutelado no inc. XLI do art. 5° do seu próprio texto[6], incorrendo em explícita contradição. Nas palavras de Magalhães Noronha: "Na colisão de dois bens jurídicos igualmente tutelados, o Estado não pode intervir, salvando um e sacrificando o outro," resta aguardar a solução do conflito para proclamá-la legítima. 

É porque a Constituição proclama o direito fundamental do indivíduo à vida – pré-requisito para a existência de todos os outros direitos - que, nas palavras de José Afonso da Silva, pelo nosso ordenamento "se reputa legítimo até mesmo tirar a vida a outrem em estado de necessidade de salvação da própria." 

NOTAS:

[1]Como poderá o leitor observar ter-se-ão como verdadeiras as declarações dos sobreviventes, sem questionamentos sobre a sua validade, somente com o propósito de viabilizar este estudo. 
[2] Inobstante as flagrantes diferenças entre o direito processual penal e material penal expostos no caso e os seus correspondentes brasileiros acredita-se que a situação fática apresentada serve ao propósito visado. 
[3] Sob o Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, a Constituição Federal dispõe em seu 5° artigo, caput, que "Todos são iguais perante a lei, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança ..." Grifou-se. 
[4] Em verdade antijuridicidade (ou ilicitude) e tipicidade são conceitos que andam juntos. Existe uma presunção de que o fato que se ajusta ao tipo é antijurídico, presunção que só é afastada se a lei permitir expressamente o comportamento típico do sujeito. É o que ocorre no art. 23 do Código Penal Brasileiro. 
[5] O trágico naufrágio da fragata La Méduse foi imortalizado em famoso quadro de Géricault, hoje no Museu do Louvre, em Paris. 
[6] Segundo a Constituição Federal, art. 5°, XLI: "a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais". A vida, independentemente das qualidades particulares de cada ser humano, é direito fundamental proclamado tal pela Constituição Federal. Assim, estando em conflito o direito de duas pessoas à vida não há como exigir o sacrifício de uma - talvez por critérios de idade ou saúde - para salvaguardar a vida de outra, pois os bens jurídicos em conflito são igualmente protegidos pela lei maior do Estado brasileiro. 

BIBLIOGRAFIA:

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. 
_______. Constituição da República Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. 
FRANCO, Alberto S.; STOCO, Rui; SILVA JR., José; NINNO, Wilson; FELTRIN, Sebastião O.; BETANHO, Luiz C.; GUASTINI, Vicente C. R. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 2 vols. 6. ed., ver. e ampl. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 1997. 
FULLER, Lon L. O Caso dos Exploradores de Cavernas. Tradução do original inglês e introdução por Plauto Faraco de Azevedo. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1976. 10ª reimpressão:1999. 
MIRABETE, Julio F. Código Penal Interpretado. 1. ed. São Paulo: Atlas, 1999. 
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. 
PASSOS, Nicanor S. O Caso da Medusa. Consulex, Brasília, ano IV, v. I, p. 11, nov. 2000. 
SILVA, José A.; Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. 

Da liberdade


Ruth Guimarães


Fala-se muito em liberdade, o que ocorre justamente nas épocas em que ela não existe. Liberdade de imprensa, de opinião, amor livre. Etc. E fala-se dar liberdade. Ninguém pode dar liberdade a ninguém, se liberdade  é ato, é opção pessoal. O fato é que não pode ser distribuída como o pão ou a Bolsa-Família.

Moisés que tirara os homens da escravidão no Egito pagou por isso e viu seu erro quando os que o seguiram o recriminaram amargamente: “Queremos voltar ao cativeiro. Lá, pelo menos, tínhamos a horas certas o nosso pão-com-cebola.” E ele lhes tinha dado refeições abundantes de codornizes apanhadas sem nenhum trabalho e maná caído do céu, como o orvalho e a chuva. E tinha lhes dado liberdade, que o seu povo usou para adorar o bezerro de ouro.

Vede os eslôgãs, como liberdade, igualdade e fraternidade – “lutar pela liberdade”, “conquistar a liberdade”. Parece que a ilustre dama do barrete frígio existe por aí in natura e que podemos apanhá-la e prendê-la, salvo seja!  E ficar com ela, a bela cativa (Deixai passar o absurdo, mais um, num assunto em que há tantos”.

De acordo com a lenta preparação da natureza, e da evolução tanto do homem como das sociedades, e das formas de governo, o encaminhamento do mundo é para a liberdade. O homem, pois, deve ser livre. Está nos planos. Deve e pode, embora sejam uma legião aqueles que não devem nem podem: quem nasce com um QI 70, os favelados, os desadaptados, os rejeitados, “os humildes e ofendidos”, os cientistas paranóicos, os fracos sem vontade, viciados e marginalizados, simplórios, ingênuos, otários.

Para ser livre, o homem tem que ser inteligente. E isto não basta.

O sentido de liberdade de cada um começa com o sentido de liberdade de outrem, disse Lincoln. Uma pessoa somente será verdadeiramente livre, se forem igualmente livres os seres que o rodeiam, disse Bakhounin.

E como tornar o mundo livre?

O reduto deverá ser tomado casa por casa, homem por homem. Haverá uma sociedade livre se cada homem for um escravo? Adianta falar em democracia, quando o funcionário suspira pelo seu pão com cebola?

É necessário modificar, pela educação, tal maneira de ver.

Disse o Cristo antes de morrer: “Perdoai-os, Pai, porque eles não sabem o que fazem”.

Isto deve ser falha do departamento de publicidade dos 12 ou talvez dos 4, porque o Pai não perdoa ao ignorante, eis que o ignorante permanecerá encadeado a si mesmo.

Vede o que Ele, o Cristo, disse: “Perdoai-os”. Não disse “Deixai-os”.

Eu devo dizer: “Sou livre?” Ou “Sou livre, graças a Deus?” O que me parece uma graça muito especial, uma liberdade no estilo calvinista, e portanto injusta.

Em conclusão:

O homem pode fazer o que quiser, desde que seja o certo. O certo que ele procurará em sua própria consciência.

Pode fazer o que quiser desde que respeite a integridade física, mental e moral dos semelhantes, em seus desejos, ou vontade de poder.

Pode fazer o que quiser desde que saiba escolher e impor normas a si mesmo, e manter a disciplina de as seguir.

Isto é liberdade.

Se fui dado a mim fui dado também ao mundo, que me antecede, pertence a todos e é como é.