sexta-feira, 4 de maio de 2012

Direito e Linguagem


I - LINGUAGEM

 Focalizamos, em primeiro lugar, a importância da linguagem. Para Aristóteles, o homem é um animal político (social e cívico), pois somente ele é dotado de linguagem. Animais têm voz, exprimindo dor e prazer. Só homem possui palavra, exprimindo e possuindo, em comum com outros homens, valores que viabilizam vida social e política. Para Platão a linguagem é um pharmakon: remédio, veneno e cosmético.

Na Bíblia Sagrada, a palavra tem força criadora, pois no princípio era o verbo; com a palavra tudo foi feito ("Faça-se a luz... e a luz foi feita"). Sobre a Torre de Babel, ficamos sabendo que Deus lançou a confusão entre os homens, fazendo com que perdessem a língua comum e passassem a falar línguas diferentes, que impediam uma obra em comum, abrindo as portas para todos os desentendimentos e guerras.
Linguagem é "instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base mais profunda da sociedade humana” (obra citada).

Linguagem nasceu da necessidade de expressão e comunicação. "Linguagem é forma propriamente humana da comunicação, da relação com o mundo e com os outros, da vida social e política, do pensamento e das artes” (obra citada).
Mitos (em grego mythos) significa narrativa sobre origem dos deuses, do mundo, dos homens, das técnicas e da vida do grupo social ou da comunidade. Mythos também significa linguagem, no sentido de que os homens, mediante palavras, conseguem organizar a realidade e interpretá-la.

Examinando o Direito Romano, sabemos que, na sua origem, o direito não era um código de normas legais. Direito era um ato solene no qual o juiz pronunciava uma fórmula pela qual duas partes em conflito solucionavam a lide. Direito era uma linguagem solene de fórmulas conhecidas pelo árbitro e reconhecidas pelas partes conflitantes em juízo. Era um juramento pronunciado pelo juiz e acatado pelas partes.
Modernamente, ainda encontramos presente a idéia de que, numa comunidade, dar sua palavra representa dar sua vida, sua consciência, sua honra, assumindo assim compromisso que só poderá ser desfeito com a morte ou com anuência da outra parte.

Quanto à dimensão da Linguagem, os gregos conheciam duas palavras para se referirem à palavra e à linguagem: mythos e logos.
Logos, para os gregos, é síntese de três conceitos: fala (palavra), pensamento (idéia) e realidade (ser).
Logos é a palavra racional identificadora do conhecimento do real. É discurso (ou seja, argumento e prova), pensamento (ou seja, raciocínio e demonstração) e realidade (ou seja, os nexos e ligações universais e necessários entre os seres). (Vide obra citada).
Conceituando linguagem, destacamos que "linguagem é um sistema de sinais com função indicativa, comunicativa, expressiva e conotativa". "Linguagem é sistema de signos ou sinais usados para indicar as coisas, para a comunicação entre as pessoas e para a expressão de idéias, valores e sentimentos”.(Vide obra citada).

Quanto às características da linguagem, nos conceitos acima podemos extrair as seguintes afirmações:
a)- linguagem é sistema - um todo estruturado com princípios próprios;
b)- linguagem é sistema de signos ou sinais – signos são objetos que indicam outros objetos, designam outros objetos ou representam outros objetos;
c)- linguagem indica coisas - palavras têm função de apontar coisas que elas significam – função indicativa ou denotativa;
d)- linguagem tem uma função comunicativa – mediante palavras estabelecemos relações com os outros seres humanos;
e)- linguagem exprime pensamentos, sentimentos e valores – função conotativa, ou de conhecimento e expressão.

Revela-se importante distinguir linguagem simbólica e linguagem conceitual.
A linguagem simbólica assim se caracteriza: opera por analogias e por metáforas; realiza-se como imaginação; é inerente aos mitos, à religião, à poesia, ao romance, ao teatro; fascina e seduz, por ser fortemente emotiva e afetiva; oferece imagens ou sínteses imediatas; oferece palavras polissêmicas, ou seja, carregadas de múltiplos sentidos simultâneos e diferentes, tanto sentidos semelhantes e em harmonia, quanto sentidos opostos e contrários; faz a criação de um outro mundo, análogo ao nosso, porém mais belo ou terrível do que o real; destaca a memória e imaginação, focalizando um futuro ou passados possíveis.
A linguagem conceitual tem as seguintes características: é inerente à filosofia e às ciências; procura dar às palavras sentido direto e não figurado, evitando analogia (semelhança entre palavras e sons) e metáfora (uso de palavras para substituir outras, criando sentido poético para expressão do sentido); evita uso de palavras carregadas de múltiplos sentidos, procurando fazer com que cada palavra tenha sentido próprio e que seu sentido vincule-se ao contexto no qual a palavra é empregada; procura convencer e persuadir por meio de argumentos, raciocínios e provas; busca definir o mundo real, decifrando-o e superando as aparências; busca focalizar o presente, a atualidade. 

Marilena Chauí. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário