I - LINGUAGEM
Na Bíblia Sagrada, a palavra tem
força criadora, pois no princípio era o verbo; com a palavra tudo foi feito
("Faça-se a luz... e a luz foi feita"). Sobre a Torre de Babel,
ficamos sabendo que Deus lançou a confusão entre os homens, fazendo com
que perdessem a língua comum e passassem a falar línguas diferentes, que
impediam uma obra em comum, abrindo as portas para todos os desentendimentos e
guerras.
Linguagem é "instrumento
graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções,
seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele
influencia e é influenciado, a base mais profunda da sociedade humana” (obra
citada).
Linguagem nasceu da necessidade
de expressão e comunicação. "Linguagem é forma propriamente humana da
comunicação, da relação com o mundo e com os outros, da vida social e política,
do pensamento e das artes” (obra citada).
Mitos (em grego mythos) significa
narrativa sobre origem dos deuses, do mundo, dos homens, das técnicas e da
vida do grupo social ou da comunidade. Mythos também significa linguagem,
no sentido de que os homens, mediante palavras, conseguem organizar a
realidade e interpretá-la.
Examinando o Direito Romano,
sabemos que, na sua origem, o direito não era um código de normas legais.
Direito era um ato solene no qual o juiz pronunciava uma fórmula pela qual duas
partes em conflito solucionavam a lide. Direito era uma linguagem solene de
fórmulas conhecidas pelo árbitro e reconhecidas pelas partes conflitantes em
juízo. Era um juramento pronunciado pelo juiz e acatado pelas partes.
Modernamente, ainda encontramos
presente a idéia de que, numa comunidade, dar sua palavra representa dar sua
vida, sua consciência, sua honra, assumindo assim compromisso que só poderá ser
desfeito com a morte ou com anuência da outra parte.
Quanto à dimensão da Linguagem,
os gregos conheciam duas palavras para se referirem à palavra e à linguagem:
mythos e logos.
Logos, para os gregos, é
síntese de três conceitos: fala (palavra), pensamento (idéia) e realidade
(ser).
Logos é a palavra racional identificadora
do conhecimento do real. É discurso (ou seja, argumento e prova), pensamento
(ou seja, raciocínio e demonstração) e realidade (ou seja, os nexos e ligações
universais e necessários entre os seres). (Vide obra citada).
Conceituando linguagem, destacamos
que "linguagem é um sistema de sinais com função indicativa,
comunicativa, expressiva e conotativa". "Linguagem é sistema de
signos ou sinais usados para indicar as coisas, para a comunicação entre as
pessoas e para a expressão de idéias, valores e sentimentos”.(Vide obra
citada).
Quanto às características da
linguagem, nos conceitos acima podemos extrair as seguintes afirmações:
a)-
linguagem é sistema - um todo estruturado com princípios próprios;
b)- linguagem
é sistema de signos ou sinais – signos são objetos que indicam outros
objetos, designam outros objetos ou representam outros objetos;
c)- linguagem
indica coisas - palavras têm função de apontar coisas que elas significam –
função indicativa ou denotativa;
d)- linguagem
tem uma função comunicativa – mediante palavras estabelecemos relações com
os outros seres humanos;
e)- linguagem
exprime pensamentos, sentimentos e valores – função conotativa, ou de
conhecimento e expressão.
Revela-se importante distinguir
linguagem simbólica e linguagem conceitual.
A linguagem simbólica assim se
caracteriza: opera por analogias e por metáforas; realiza-se como imaginação; é
inerente aos mitos, à religião, à poesia, ao romance, ao teatro; fascina e
seduz, por ser fortemente emotiva e afetiva; oferece imagens ou sínteses
imediatas; oferece palavras polissêmicas, ou seja, carregadas de múltiplos
sentidos simultâneos e diferentes, tanto sentidos semelhantes e em harmonia,
quanto sentidos opostos e contrários; faz a criação de um outro mundo, análogo
ao nosso, porém mais belo ou terrível do que o real; destaca a memória e
imaginação, focalizando um futuro ou passados possíveis.
A linguagem conceitual tem as
seguintes características: é inerente à filosofia e às ciências; procura dar às
palavras sentido direto e não figurado, evitando analogia (semelhança entre
palavras e sons) e metáfora (uso de palavras para substituir outras, criando
sentido poético para expressão do sentido); evita uso de palavras carregadas de
múltiplos sentidos, procurando fazer com que cada palavra tenha sentido próprio
e que seu sentido vincule-se ao contexto no qual a palavra é empregada; procura
convencer e persuadir por meio de argumentos, raciocínios e provas; busca
definir o mundo real, decifrando-o e superando as aparências; busca focalizar o
presente, a atualidade.
Marilena Chauí. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática.
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