A redação de manuais técnicos é, muitas vezes, um processo complexo que envolve muitas pessoas e uma série de etapas, em um período de tempo relativamente curto. Ainda que a informática contribua para que esse processo se torne mais ágil, sua complexidade e o avanço incessante da tecnologia exigem do usuário, seja ele o autor ou a equipe responsável pela revisão, conhecimentos cada vez mais precisos.
Embora indispensável, ela pode dificultar ou atrasar o processo de edição, quando, por exemplo, várias pessoas usam os mesmos recursos de formas diferentes. Pode-se afirmar a grande necessidade de uma padronização referente à técnica de revisão de textos e de seu controle, que devem ser realizados por um profissional habilitado e competente para tal função.
Sabe-se que, apesar da importância dada à qualidade nos dias de hoje, a atividade de revisão de textos não é considerada essencial nos diversos segmentos mercadológicos, principalmente naqueles que se julgam puramente “técnicos”. Entendemos que a escassez de bibliografia sobre o assunto é um dos principais fatores que contribuem para a falta de legitimidade da profissão de revisor. Intenciona-se, assim, com este artigo, esclarecer e divulgar conceitos relevantes ao entendimento do processo de revisão e, também, mostrar como um revisor pode contribuir substancialmente para a garantia da qualidade em uma empresa. Além disso, este artigo não deixa de ser uma tentativa de iniciar uma bibliografia nesta área, como forma de tentar legitimar e valorizar a profissão. Com a finalidade de aprofundar mais na importância da revisão de textos e apresentar com mais clareza a relevância dessa atividade, optamos por fazer um recorte frente aos diversos tipos de texto e de segmentos mercadológicos.
Texto técnico
Observamos que a bibliografia sobre textos técnicos é escassa. De um modo geral, os livros limitam-se a afirmar que esse tipo de texto se caracteriza pela objetividade, como a definição seguinte de linguagem técnica: Um uso específico que se circunscreve a uma dada área sócio-profissional e que nem sempre tem uma função prática, visa a obter assentimento das pessoas, dar reforço para atitudes desejadas, provocar mudanças de opinião ou de comportamento, dar orientação para novas ações, bem como subsidiar decisões (CINTRA, 1995).
Acreditamos que a redação do texto técnico, por se tratar de um texto não-ficcional, deve ter a mesma “verdade” para escritor e leitor, ou seja, o leitor deve chegar à mesma compreensão de conteúdo que o escritor intenciona. Diferentemente do texto ficcional (em que a concatenação de idéias pode ficar a cargo do leitor), no texto técnico, o leitor precisa compreender o conteúdo e não, simplesmente, interpretar o que lê à sua maneira/ótica particular. Garcia (1985) e Carvalho (1991) utilizam a expressão "técnico-científico" para designar os textos técnicos de cunho acadêmico referentes a especialidades de determinado ramo. Entretanto, aqui, denominaremos a linguagem técnica como aquela dos textos referentes ao funcionamento de máquinas, peças e descrição de equipamentos, deixando a expressão "linguagem científica" para as publicações de caráter científico, que não são o nosso objeto de análise neste trabalho. Sendo técnica diferente de ciência – respectivamente habilidade e conhecimento – podemos distinguir texto técnico de texto científico. Genouvrier e Peytard (1973, p.288) diferenciam o saber técnico do saber científico:
Deve-se distinguir terminologia técnica de metalingüística científica: a primeira exerce um papel de denominação dos ramos ou objetos próprios de uma técnica e estabelece uma classificação entre os resultados obtidos pela técnica enquanto atividade: a segunda reúne as palavras por meio das quais se designam os conceitos operatórios de uma pesquisa ou de uma reflexão científica (GENOUVRIER & PEYTARD, 1973).
Apesar da vasta utilização do texto técnico nas empresas – descrição de peças, equipamentos, relatórios de manutenção, manual de instrução –, percebemos que este não tem recebido a merecida atenção por parte da maioria dos elaboradores, divulgadores e usuários. Mesmo por parte dos estudiosos da língua, observamos pouca bibliografia no que tange à orientação na hora de elaborar tais textos. Acredita-se que, pelo fato do texto técnico ter estado sempre relacionado ao curso técnico, essa modalidade textual não receba a devida importância. Percebemos também que a dificuldade relacionada à especificidade lexical do texto técnico, associada a aspectos histórico-educacionais, contribui para esse descaso, uma vez que, como sabemos, o tradicional ensino de redação tem o objetivo único de preparar o aluno para o exame vestibular.
A revisão como auxiliar da qualidade
O trabalho de revisão pode auxiliar na qualidade do serviço, uma vez que as empresas que emitem documentos primam não só pela qualidade técnica, como também pela estética dos seus textos.
Com a atual preocupação da Certificação da Qualidade, as empresas têm se voltado mais para os aspectos que contribuem para a obtenção desse certificado. O processo de certificação implica em vistorias semestrais por parte do auditor (“recertificação”), devendo, pois, ser uma constante preocupação da empresa. Não basta somente atingir um patamar de qualidade, deve-se permanecer nele, para não correr o risco de perder a certificação. Qualquer serviço, portanto, que auxilie na garantia da qualidade em uma empresa é, a cada dia, mais valorizado. Nesse sentido, a revisão textual pode ser considerada um dos mais fortes indicativos de qualidade e, por essa razão, vem ocupando um espaço importante e promissor nas empresas. Ser capaz de redigir com correção, clareza e precisão é exigência indispensável a todos que se acham incumbidos de expressar, por escrito, informação, opinião ou parecer, quando não, as conclusões de um estudo, o texto de um projeto ou as normas de um serviço. Na prática, entretanto, percebe-se que isso não acontece na maioria das vezes. Daí a necessidade de recorrer ao trabalho de revisão.
Parceria entre revisor e autor na nossa prática diária
A linguagem técnica faz-se a partir dos conhecimentos específicos que a permeiam. Ainda que de posse de tais conhecimentos, os manuais técnicos devem adequar a redação dos textos à finalidade a que estes se propõem, tendo em mente que escrever “bem” não significa escrever “difícil”.
No exercício da profissão de revisor, atentamos sempre para alguns detalhes que fazem diferença, como, por exemplo, o de orientar as empresas em relação a redação de seus manuais. Sugerimos, por exemplo, que evitem diversos vícios de linguagem que prejudicam a compreensão final do tema. É muito importante observar sugerir sem, entretanto, generalizar. Muitas vezes, o que parece incorreção pode ser proposital e fazer parte do estilo do redator ou do destaque que ele queira dar a algum trecho, como, por exemplo, o uso de pleonasmos e de adjetivos aparentemente supérfluos.
REFERÊNCIAS
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BORBA, Francisco da Silva. Dicionário gramatical de verbos. Araraquara: Unesp, 1991.
BRASIL. Manual de Redação da Presidência da República; Gilmar Ferreira Mendes [et al.] – Brasília: Presidência da República, 1991.
CARVALHO, Nelly A terminologia científica. São Paulo: Ática, 1991.
CHAMADOIRA, João Batista, Uma modalidade de texto técnico: descrição de objeto.
CINTRA, Ana et al. Português instrumental. São Paulo: Atlas, 1995.
FRIEIRO, Eduardo. Os Livros: Nossos Amigos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1999.
GARCIA, Othon. Maria. Comunicação em prosa moderna. Rio Janeiro: Fund. G. Vargas, 1985.
GENOUVRIER, Emile e PEYTARD, Jean. Lingüística e ensino do Português. Almeidina, 1973.
KOCK, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à Lingüística Textual – Trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
MARCUSCHI Luiz Antônio. Da fala para a escrita – Atividades de retextualização-, São Paulo, Cortez Editora, 2003
NEY, João Luiz. Prontuário de Redação Oficial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. PERINI-SANTOS, Pedro. Por que as pessoas têm dificuldade de escrever? – reflexões sobre a limitação repertorial e cognitiva da sociedade contemporânea. In: 1º ENCONTRO MINEIRO DE ANÁLISE DO DISCURSO. UFMG: 2005.
PETEROSSI, Helena G. Formação do professor para o ensino técnico. São Paulo: Ática, 1995.
SARAMAGO, José. História do Cerco de Lisboa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
VALENÇA, Ana. Roteiro de Redação. Scipione, 1998.
ZAMBONIM, João Devino. Língua natural: enfoque sócio-lingüístico. In: Alfa nº 33: Unesp, 1989.
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