Luiz Paulo Jesus de Oliveira
O livro está organizado em 8 capítulos e um apêndice, escritos numa linguagem simples e com uma profunda análise sociológica das transformações do mundo do trabalho.
Para Sennett, o novo capitalismo afeta o caráter pessoal dos indivíduos, principalmente porque não oferece condições para construção de uma narrativa linear de vida, sustentada na experiência. Ele demonstra, ao utilizar o recurso metodológico de história de vidas, como o trabalhador fordista (exemplificado pela história de vida de Enrico), apesar de ter o seu trabalho burocratizado e rotinizado, consegue construir uma história cumulativa baseada no uso disciplinado do tempo com expectativas a longo prazo. Já para o trabalhador flexibilizado (como no caso de Rico – filho de Enrico), as relações de trabalho, os laços de afinidade com os outros não se processam no longo prazo, em decorrência de uma dinâmica de incertezas e de mudanças constantes de emprego e de moradia que impossibilitam os indivíduos de conhecer os vizinhos, fazer amigos e manter laços com a própria família. Diante das mudanças no mundo do trabalho, ...como se pode buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações duráveis? (p.27). Este é o grande desafio, segundo o autor, que as pessoas no contexto atual têm que enfrentar.
Nos dias atuais, a sociedade está em contínua revolta contra o tempo rotineiro, com o trabalho taylorista/fordista, e assim parece endossar as palavras de Adam Smith: a rotina embrutece o espírito, sendo o trabalho de rotina degradante (p. 41). Neste sentido, Sennett considera que a sociedade procura resolver o problema da rotina com a reestruturação do tempo, com instituições mais flexíveis, criando novas formas de poder e controle, sendo este um segundo elemento central de sua problematização. As novas formas de poder da flexibilização apresentam-se num movimento estrutural que reúne: a reinvenção descontínua de instituição, ou seja, uma total ruptura do presente com o passado como forma de atacar a burocracia; a especialização flexível, isto é, ... as empresas cooperam e competem ao mesmo tempo, buscando nichos no mercado que cada uma ocupa temporariamente, e não permanentemente, adaptando a curta vida de produto de roupas, têxteis ou peças de máquinas (p.59); a concentração de poder sem centralização, que aparentemente parece dar ao trabalho em equipe maior controle sob o trabalho que desenvolve, mas na verdade quem decide o que fazer e quando, ainda é o capitalista, restando aos trabalhadores apenas como fazer suas atividades.
Esta nova estrutura de poder cria novas formas de controle, como por exemplo o trabalho em casa, no qual troca-se “o controle face-a-face” pelo controle eletrônico.
Com a automação da padaria o pão tornou-se virtual, uma representação de tela para os padeiros, tendo como conseqüência a ilegibilidade da sua própria atividade realizada no referido estabelecimento, onde o trabalho tornara-se degradante porque não era mais necessário fazer pão ou ser padeiro; os laços sociais com o trabalho são rompidos, há uma perda de identidade social que o “ser padeiro” lhes conferia.
No regime flexível as dificuldades sempre se consolidam no ato de correr riscos, as próprias incertezas das organizações flexíveis impõem aos trabalhadores correrem riscos com seus trabalhos, colocando em prova o caráter pessoal. A nova ordem concentra-se na capacidade imediata, não leva em conta que acumulação dá sentido e direito às pessoas; e daí a preferência do capitalismo pelos mais jovens, por serem mais adaptáveis às formas flexíveis de trabalho. Os riscos, além de colocar em questão o senso de caráter, propiciam aos indivíduos um sentimento de esvaziamento completo em todos os sentidos (moral, social, cultural ou político). O exemplo da história de Rose, apresentada pelo livro, demonstra como o risco se tornou tão desnorteante e deprimente no capitalismo flexível.
Neste sentido, a nova ética do trabalho contribui para tal degradação humana.
Um ponto claro na discussão de Sennett é que embora o trabalho flexível tente romper com a rotina e a burocracia, ele não conseguiu ainda superar o trabalho fordista, mas, pelo contrário, precarizou as relações de trabalho e os próprios homens ao extremo, assim como também a ética do trabalho em equipe não superou a ética da rotina; as duas convivem em uma relação dialética.
O trabalho em equipe gera um novo tipo de caráter, onde o homem motivado dá lugar ao homem irônico, em decorrência de viver em um tempo flexível, sem padrão de autoridade e responsabilidade. Por isso o grande problema é construir uma história de vida em um capitalismo em que as pessoas estão à deriva. A resposta para esta questão encontra-se na maneira como as pessoas enfrentam o fracasso.
Na atualidade o fracasso é um fenômeno social que atinge todas as pessoas, é o grande tabu moderno, para o qual os livros de auto-estima não dispõem de fórmulas prontas. Os tabus que rondam o fracasso significam que ele é uma experiência que muitas vezes se apresenta de maneira confusa, e, portanto, a solução para enfrentar tal problema precisa ser coletiva, é através das experiências compartilhadas que se encontra a saída. No livro a história dos programadores demitidos da IBM mostra que para se enfrentar o fracasso é necessário recuperar o senso coerente entre o eu e o tempo, através da discussão partilhada dos problemas com os outros. E por isso, um senso de comunidade e de caráter mais amplos se fazem necessários para combater o novo capitalismo, numa sociedade em que as pessoas estão cada vez mais condenadas a fracassar.
Outro grande dilema desafia o caráter neste novo capitalismo: quem precisa de mim, em um regime onde as relações entre as pessoas no trabalho são superficiais e descartáveis e os laços de lealdade, confiança e compromisso mútuo se afrouxam em decorrência das experiências de curto prazo? O problema do caráter nesse tipo de capitalismo é que há história, mas não existe narrativa partilhada com os outros e, assim, o caráter se corrói.
O pronome “nós” é um perigo gigantesco para os capitalistas que vivem da desordem da economia e temem a organização e o ressurgimento dos sindicatos, e por isso, (...) um regime que não oferece aos seres humanos motivos para ligarem uns para os outros não pode preservar sua legitimidade por muito tempo (p.176).
Por fim, o grande mérito do autor deste livro é que de maneira feliz e criativa, aborda as questões sobre o trabalho e caráter numa sociedade que mudou radicalmente, conseguindo combinar narrativas históricas e teorias sociais.
Quando explora a problemática da flexibilização demonstra quais são os impactos sociais que este novo regime traz para o trabalho e as suas implicações
Um elemento importante e fundamental, que se destaca no livro, é como o trabalho assume uma centralidade indispensável nas narrativas de Enrico, Rico, Rose e dos programadores da IBM, mostrando, desta maneira, que o trabalho é uma arena onde as pessoas se afirmam ou se negam em termos de senso de si mesmas, dotando de sentido ou não as suas vidas e se reconhecendo ou não nos outros. O trabalho continua sendo um valor ético, pelo qual sempre nos pautamos para construirmos uma identidade forte e com laços vindouros.
Embora a temática apresentada esteja se referindo especialmente à realidade norte-americana, com todas as peculiaridades históricas, sociais, políticas e culturais que já conhecemos, ela se aplica também à realidade latino-americana e brasileira.
O livro faz com que o leitor se desdobre diante dos próprios questionamentos que ele traz, questionando sobre as nossas próprias histórias de vida, e sobre como estamos enfrentando os fracassos e construindo as nossas narrativas em um sistema capitalista que valoriza o descartável, o volúvel, o curto prazo, e, acima de tudo, o individualismo. Induz a pensar sobre os nossos laços sociais com os outros, sobre a nossa concepção de caráter, e a fazer a seguinte pergunta: “QUEM PRECISA DE MIM”?
O livro A CORROSÃO DO CARÁTER – conseqüências pessoais
do trabalho no novo capitalismo de autoria
do Richard Sennett foi publicado pela Editora Record, no ano de 1999. Sennett é professor de sociologia da Universidade de Nova Iork e da
London School of Economics e autor também do ensaio Carne e Pedra, O Declínio do Homem Público e The Hidden Injuries
of Class (com Jonathan Coob).
O livro está organizado em 8 capítulos e um apêndice, escritos numa linguagem simples e com uma profunda análise sociológica das transformações do mundo do trabalho.
Na primeira parte do livro o autor argumenta que o capitalismo
vive um novo momento caracterizado por uma natureza flexível, que ataca as
formas rígidas da burocracia, as conseqüências da rotina exacerbada e os
sentidos e significados do trabalho; criando uma situação de ansiedade nas
pessoas, que não sabem os riscos que estão correndo e a que lugar irão chegar,
colocando em teste o próprio senso de caráter pessoal. Nas próprias palavras do
autor, caráter é (...) o valor ético que atribuímos aos
nossos próprios desejos e às nossas relações com os outros, ou se preferirmos ... são
os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que
os outros nos valorizem (p. 10).
Para Sennett, o novo capitalismo afeta o caráter pessoal dos indivíduos, principalmente porque não oferece condições para construção de uma narrativa linear de vida, sustentada na experiência. Ele demonstra, ao utilizar o recurso metodológico de história de vidas, como o trabalhador fordista (exemplificado pela história de vida de Enrico), apesar de ter o seu trabalho burocratizado e rotinizado, consegue construir uma história cumulativa baseada no uso disciplinado do tempo com expectativas a longo prazo. Já para o trabalhador flexibilizado (como no caso de Rico – filho de Enrico), as relações de trabalho, os laços de afinidade com os outros não se processam no longo prazo, em decorrência de uma dinâmica de incertezas e de mudanças constantes de emprego e de moradia que impossibilitam os indivíduos de conhecer os vizinhos, fazer amigos e manter laços com a própria família. Diante das mudanças no mundo do trabalho, ...como se pode buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações duráveis? (p.27). Este é o grande desafio, segundo o autor, que as pessoas no contexto atual têm que enfrentar.
Nos dias atuais, a sociedade está em contínua revolta contra o tempo rotineiro, com o trabalho taylorista/fordista, e assim parece endossar as palavras de Adam Smith: a rotina embrutece o espírito, sendo o trabalho de rotina degradante (p. 41). Neste sentido, Sennett considera que a sociedade procura resolver o problema da rotina com a reestruturação do tempo, com instituições mais flexíveis, criando novas formas de poder e controle, sendo este um segundo elemento central de sua problematização. As novas formas de poder da flexibilização apresentam-se num movimento estrutural que reúne: a reinvenção descontínua de instituição, ou seja, uma total ruptura do presente com o passado como forma de atacar a burocracia; a especialização flexível, isto é, ... as empresas cooperam e competem ao mesmo tempo, buscando nichos no mercado que cada uma ocupa temporariamente, e não permanentemente, adaptando a curta vida de produto de roupas, têxteis ou peças de máquinas (p.59); a concentração de poder sem centralização, que aparentemente parece dar ao trabalho em equipe maior controle sob o trabalho que desenvolve, mas na verdade quem decide o que fazer e quando, ainda é o capitalista, restando aos trabalhadores apenas como fazer suas atividades.
Esta nova estrutura de poder cria novas formas de controle, como por exemplo o trabalho em casa, no qual troca-se “o controle face-a-face” pelo controle eletrônico.
A flexibilidade do tempo requer uma flexibilização também do
caráter, caracterizada pela ausência de apego temporal a longo prazo e pela
tolerância com a fragmentação. Por esta razão Sennett argumenta que o trabalho
flexível leva a um processo de degradação dos trabalhadores de ofício, pois com
a introdução de novas tecnologias organizacionais, o trabalho tornou-se fácil, superficial
e ilegível. Exemplifica com o caso dos padeiros de Boston que há vinte e cinco
anos, na sua maioria, eram gregos e filhos de padeiros, sendo o seu trabalho
caracterizado pelo contato direto com a massa do pão, com o calor dos fornos e
o desgaste físico que a atividade exigia. Atualmente a padaria transformou-se
numa delicatessen, fundamentada nos princípios da organização flexível, e
socialmente não é mais um “estabelecimento grego”.
Com a automação da padaria o pão tornou-se virtual, uma representação de tela para os padeiros, tendo como conseqüência a ilegibilidade da sua própria atividade realizada no referido estabelecimento, onde o trabalho tornara-se degradante porque não era mais necessário fazer pão ou ser padeiro; os laços sociais com o trabalho são rompidos, há uma perda de identidade social que o “ser padeiro” lhes conferia.
No regime flexível as dificuldades sempre se consolidam no ato de correr riscos, as próprias incertezas das organizações flexíveis impõem aos trabalhadores correrem riscos com seus trabalhos, colocando em prova o caráter pessoal. A nova ordem concentra-se na capacidade imediata, não leva em conta que acumulação dá sentido e direito às pessoas; e daí a preferência do capitalismo pelos mais jovens, por serem mais adaptáveis às formas flexíveis de trabalho. Os riscos, além de colocar em questão o senso de caráter, propiciam aos indivíduos um sentimento de esvaziamento completo em todos os sentidos (moral, social, cultural ou político). O exemplo da história de Rose, apresentada pelo livro, demonstra como o risco se tornou tão desnorteante e deprimente no capitalismo flexível.
Neste sentido, a nova ética do trabalho contribui para tal degradação humana.
A ética do trabalho nos dias de hoje é o campo na qual a
profundidade das experiências é contestada, fundamenta-se no trabalho em
equipe, onde os trabalhadores precisam ser polivalentes e adaptáveis às
circunstâncias. É um cenário onde as relações humanas são uma simulação
teatral, lugar de um poder sem autoridade.
Um ponto claro na discussão de Sennett é que embora o trabalho flexível tente romper com a rotina e a burocracia, ele não conseguiu ainda superar o trabalho fordista, mas, pelo contrário, precarizou as relações de trabalho e os próprios homens ao extremo, assim como também a ética do trabalho em equipe não superou a ética da rotina; as duas convivem em uma relação dialética.
O trabalho em equipe gera um novo tipo de caráter, onde o homem motivado dá lugar ao homem irônico, em decorrência de viver em um tempo flexível, sem padrão de autoridade e responsabilidade. Por isso o grande problema é construir uma história de vida em um capitalismo em que as pessoas estão à deriva. A resposta para esta questão encontra-se na maneira como as pessoas enfrentam o fracasso.
Na atualidade o fracasso é um fenômeno social que atinge todas as pessoas, é o grande tabu moderno, para o qual os livros de auto-estima não dispõem de fórmulas prontas. Os tabus que rondam o fracasso significam que ele é uma experiência que muitas vezes se apresenta de maneira confusa, e, portanto, a solução para enfrentar tal problema precisa ser coletiva, é através das experiências compartilhadas que se encontra a saída. No livro a história dos programadores demitidos da IBM mostra que para se enfrentar o fracasso é necessário recuperar o senso coerente entre o eu e o tempo, através da discussão partilhada dos problemas com os outros. E por isso, um senso de comunidade e de caráter mais amplos se fazem necessários para combater o novo capitalismo, numa sociedade em que as pessoas estão cada vez mais condenadas a fracassar.
Outro grande dilema desafia o caráter neste novo capitalismo: quem precisa de mim, em um regime onde as relações entre as pessoas no trabalho são superficiais e descartáveis e os laços de lealdade, confiança e compromisso mútuo se afrouxam em decorrência das experiências de curto prazo? O problema do caráter nesse tipo de capitalismo é que há história, mas não existe narrativa partilhada com os outros e, assim, o caráter se corrói.
O pronome “nós” é um perigo gigantesco para os capitalistas que vivem da desordem da economia e temem a organização e o ressurgimento dos sindicatos, e por isso, (...) um regime que não oferece aos seres humanos motivos para ligarem uns para os outros não pode preservar sua legitimidade por muito tempo (p.176).
Por fim, o grande mérito do autor deste livro é que de maneira feliz e criativa, aborda as questões sobre o trabalho e caráter numa sociedade que mudou radicalmente, conseguindo combinar narrativas históricas e teorias sociais.
Ao mesmo tempo que recorre às entrevistas, ele também se utiliza
de dados estatísticos e econômicos.
Quando explora a problemática da flexibilização demonstra quais são os impactos sociais que este novo regime traz para o trabalho e as suas implicações
sobre a vida pessoal, desde à depressão à corrosão do caráter.
Um elemento importante e fundamental, que se destaca no livro, é como o trabalho assume uma centralidade indispensável nas narrativas de Enrico, Rico, Rose e dos programadores da IBM, mostrando, desta maneira, que o trabalho é uma arena onde as pessoas se afirmam ou se negam em termos de senso de si mesmas, dotando de sentido ou não as suas vidas e se reconhecendo ou não nos outros. O trabalho continua sendo um valor ético, pelo qual sempre nos pautamos para construirmos uma identidade forte e com laços vindouros.
Embora a temática apresentada esteja se referindo especialmente à realidade norte-americana, com todas as peculiaridades históricas, sociais, políticas e culturais que já conhecemos, ela se aplica também à realidade latino-americana e brasileira.
O livro faz com que o leitor se desdobre diante dos próprios questionamentos que ele traz, questionando sobre as nossas próprias histórias de vida, e sobre como estamos enfrentando os fracassos e construindo as nossas narrativas em um sistema capitalista que valoriza o descartável, o volúvel, o curto prazo, e, acima de tudo, o individualismo. Induz a pensar sobre os nossos laços sociais com os outros, sobre a nossa concepção de caráter, e a fazer a seguinte pergunta: “QUEM PRECISA DE MIM”?
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