PSICANÁLISE, EDUCAÇÃO PARA O PRESENTE
Era uma semana em que eu participaria de um fórum sobre educação debatendo com professores, educadores, psicopedagogos, estudantes e pais algumas abordagens teóricas. Ou seja, o que dizem, em seus textos, os pensadores – basicamente ligados à psicologia e filosofia – a respeito da educação. Entre outros, Vigotysk, Nietzsche, Piaget, Paulo Freire e Freud teriam presença garantida. Minha tarefa: representar as idéias do pai da psicanálise no campo da educação. O objetivo estava claramente definido, cada participante com seu teórico “a tira colo”, procurando comentá-lo da maneira mais clara e acessível aos participantes do fórum. Este, concebido, originalmente, para ser uma atividade complementar (acompanhada à distância) na instituição em que trabalho, mas contando inclusive com a participação do público leigo.
Disposto a compartilhar conhecimentos, principalmente, pela abrangência das abordagens, aceitei o convite e percorri a bibliografia que já possuía sistematizando uma revisão que permitisse minha “defesa” contra os previsíveis ataques que alguns debatedores (conforme me alertou em tom de brincadeira-séria a organizadora do evento) fariam contra o psicanalista e “suas idéias sobre sexo”. Logo pensei que se revelara ali, mais uma vez, a falta de informação, ou até mesmo as referências que se supõem apreendidas, mas que na verdade foram – é bem possível – apropriadas equivocadamente por esses profissionais. Pois bem sabemos, pelo menos os “psi” mais antenados com a leitura psicanalítica, que não se trata ipsis litteris dessa idéia convertida ao engodo.
O mote para minha apresentação estava dado. Esta consistiria, entre outras, em aparar arestas que distorcem alguns conceitos do pensamento freudiano, para em seguida abordar como um comentador dos postulados psicanalíticos seus apontamentos sobre a educação e sem dúvida da função da psicanálise nas instituições de ensino.
Pois bem, essa resenha, no entanto, não se reserva a continuar o relato dessa experiência (para a qual prometo uma breve retomada ao final), mas fundamentalmente para alertar o caro leitor que o mercado editorial acaba de colocar à nossa disposição um livro de excelente qualidade.
Psicanálise e educação – questões do cotidiano é um daqueles livros que nos fisgam já pela sua orelha e quarta-capa respectivamente. Pelo menos para aqueles que, como eu, gostam de provar o sabor que antecede à leitura em doses homeopáticas. O texto destas enunciam sem meias palavras a pobreza da literatura sobre o assunto e se compromete (o que de fato irá cumprir) a apresentar todo o livro com uma linguagem acessível, sem fórmulas prontas “mas maneiras de olhar e pensar a criança o educador e a instituição que possibilitem uma intervenção mais adequada”.
O livro está dividido em seis breves capítulos (e mais uma conclusão despretensiosa e inteligente):
® A educação na cultura contemporânea;
® O ato de aprender e suas dificuldades: uma leitura psicanalítica;
® O jogo;
® Agressividade;
® Sexualidade.
Não mais que algumas poucas horas dedicadas à leitura desse tão claro e bem escrito trabalho[1] brindam o leitor com uma série de conceitos psicanalíticos. Nem sempre explicitados, o que permite mais fluência à leitura. Simples e diretos todos os capítulos aparecem recheados de interessantes vinhetas de casos ilustrando as idéias apresentadas.
Como não se trata de um estudo dirigido ortodoxamente a psicanalistas, e este é um de seus muitos méritos, a autora pôde, a meu ver, ser mais superficial (ainda que esta não seja a melhor palavra para explicar tal escolha) ao apresentar conceitos como o complexo Édipo, castração, primazia do falo... justamente aqueles que tão comumente são distorcidos e entendidos como na seguinte equação: Freud = sexo. Todavia não compromete negativamente seu trabalho. Nada que o leitor mais curioso não possa encontrar com as próprias pernas! Leia-se:com sua aguçada curiosidade.
Um exemplo que confirma a simplicidade do livro aparece no “polêmico” capítulo sobre sexualidade. Nele a autora discorre, mas uma vez, fluentemente acerca das fases da sexualidade enunciadas por Freud em seus ensaios sobre a Sexualidade, sem fazer do capítulo um texto denso e cifrado de informação, por vezes só compreensíveis por aqueles que dominam a linguagem psicanalítica, mas ao contrário, enuncia cada uma das fases (oral, anal, fálica, latência) recheadas de vinhetas – aliás, presentes em todo o livro como já observei; deliciosas, por sua clareza e pertinência: por isso é bom repetir.
A autora ainda se atreve com toda propriedade e responsabilidade, tratar de temas delicados no capítulo A função da verdade, sem perder as rédeas da clareza. Lidar com questões, ali apresentadas, como a morte, adoção, mentira e culpa, parecem (após a leitura) não mais fazer parte de assuntos tabus dos quais os educadores querem, em muitas situações, passar longe, pela tangente. São apresentados livres de clichês e o que é melhor, suaves. E que fique claro: não suavizados!
A quem se destina?
Destina-se ao clínico pois, as problemáticas apresentadas são sem dúvida questões análogas ao cotidiano e são essas crianças, adolescentes, educadores que muitas vezes chegam aos nossos consultórios demandando orientação fora da instituição.
Aos professores e profissionais da educação em sua gama de possibilidades de atuação. Ampara o educador. É uma verdadeira orientação!
E sem dúvida – aqui retomo minha dívida de explicar os três primeiros parágrafos – àqueles que participaram do debate sobre educação (garanto que muitos já compraram). Uma das demandas da coordenação do fórum era que o participante da discussão indicasse um texto/livro que pudesse complementar a apresentação. Este deveria ser claro, conciso e preferencialmente instigante. Coincidentemente descobri-o naquela semana e sem pestanejar indiquei-o. Explicado, não?
Um dos professores da mesa leu e comentou dias depois com ar de muito satisfeito: “sucinto pois vai direto ao ponto, não faz rodeios demasiadamente teóricos, daqueles que chateiam o leitor tentando-o tempo todo a abandonar a empreitada da leitura”. Com isso, meu desejo de compartilhar tal experiência (a da leitura) se acentuou.
A autora é, evidentemente, modesta ao dizer que o trabalho se limita a ser um ponto de partida; ora, eu diria que vai muito além dessa idéia, pois ainda que não seja um ponto final, de chegada, conduz o leitor a muitos lugares/possibilidades. A professora Renata transita entre autores como Freud, Françoise Dolto, M. Klein, Winnicott e Maud Mannoni sem abandonar o leitor “leigo”, que em outras ocasiões correria o risco de se perder no caminho. E ela o faz com propriedade e segurança sem ser demasiadamente cansativo ou chato para o “viajante” que não cochila com a paisagem. Isso é extremamente significativo.
Desenvolver um trabalho “psi” com educadores na instituição, às vezes, é muito angustiante. A tal ausência da clareza, “do que fazer”, é sem dúvida o grande empecilho dos resultados positivos. No entanto, agora já há por onde começar. E muito bem, diga-se...
Sobre a autora:
Liz Andréa lima Mirim é psicóloga pelo IPUSP, especialista em Teoria Psicanalítica pelo COGEA- PUCSP, mestre em Psicologia Clínicapela PUCSP e doutoranda pela mesma instituição. Atua em consultório particular desde sua graduação. Desenvolveu trabalho nas Prefeituras de São Roque e São Paulo como orientadora educacional e psicóloga clínica respectivamente. Desde 2000 é psicóloga-pesquisadora do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde – instituição que desenvolve trabalhos na linha dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
[1] Ainda que pequenos “pecados” tenham passado desapercebido pela revisão do texto.
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