Ruth Guimarães
O Vale do Paraíba está novamente em fase de mudança total para um novo ciclo. Passamos depressa do velho pastoreio lerdo para as atividades dinâmicas da indústria. E, com isto, os fazendeiros triturados nas engrenagens econômicas, entre a inflação e a transição, têm de sobra razão de queixa.
Vaca é um revestimento precário. Custa caro, come muito, morre á toa. Sue tempo de produção é curto. Dura mais ou menos seis crias. Não sabe escolher caminho, nem comida. Não se desvia de buraco, nem de abismo. Fácil encontrar mortas aquelas preciosidades de custo muito, que, sem nenhuma atenção pelos gastos do dono, rolaram perambeira e estão dando banquete de graça aos urubus. Também é fácil encontrar vaca ervada, isto é, envenenada com erva-de-rato, rêmora e outras lucreciaborgices de que a despensa do mato valeparaibano é farto. O bicho vai andando á toa pelo campo perde o caminho, pousa fora de casa, pra comer precisa chamar no berrante e no ocô! Ocô! Pra lamber o sal, precisa chamar. Se não chamar, fica por lá. Sai da estrada, caminhão pega, patrulheiro do DNER multa o dono. Deita na linha da ferrovia, o trem pega, da um trabalhão para tirar o corpo de lá. Fazendeiro tem que estar ali, noite e dia, tomando conta. Quando a gente diz que “sêo” Fulano possui duzentas vacas, - engano! Duzentas vacas bem folgadas possuem o “sêo” Fulano, de criado ás ordens delas. Almocinho no cocho, chamar pra almoçar, chamar pra jantar, banhinho de carrapaticida, de tempo em tempo, sal duas vezes na semana, berçário dos filhos, vacina, raspinha de fava-de-santo-inácio, tirar o leite em hora certa, senão é uma latomia dos pecados, berro pra mais de metro.
E tem muitas que são esganadas. Comem a ração no cocho e das vizinhas. Comem esganadas á moda cachorro, engolem o ar junto com o alimento, vão estufando ,caem pra lá, deu timpanite. Morrem na hora. Veterinário não da jeito. E tempo de chamar? A gente mesmo dá. Pega uma faca de ponta e enfia no bucho de empanzinada. O ar escapa fuuuuuu, alivia a sufocação e o bicho está salvo. O furo no bucho, ai o veterinário cura. Dá tempo. Ainda tem a tal de mamite, que é inflamação no úbere. Inutiliza a vaca, não da mais leite. E tem doença que pega em gente: brucelose, tuberculose, aftosa. Vaca morre até de parto.
-Se o investimento é tão ruim assim, como ainda há gente no negócio do leite?
Depoimento do pequeno produtor:
- O leitinho sempre dá um pouco
Depoimento do produtor mal-sucedido:
-Com o preço aviltado não dá pra ir.
Depoimento da mulher do produtor mal-sucedido:
-È. Mas todo dinheirinho que ele arranja é pra comprar vaca.
-Não seria melhor vender as vacas e ir cuidar de outra coisa?
Seguimento das declarações do produtor mal-sucedido:
-Cuidar de que? Eu só sei cuidar de vaca...
Depoimento do vizinho (um produtor bem-sucedido):
-Se ele soubesse cuidar de vaca, não estava nesse miserê.
-E se o senhor vendesse parte da terra?
-Não posso. Terras que foram do meu pai, do meu avô. Eu chego naquele altinho, aquele ali, as terras estão rindo pra mim.
(É isso aí!).
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