Welington Cleber dos Reis
Atualmente, e mais do que nunca,
percebe-se a influência da máquina, da tecnologia e da mídia na sociedade. A
primeira colabora para a diminuição da mão de obra humana, do trabalho,
criando, consequentemente, o tempo liberado que, segundo Maria Lúcia de Arruda
Aranha e Maria Helena Pires Martins, em Filosofando: introdução à Filosofia
(1993), difere do tempo livre, também decorrente da diminuição da jornada de
trabalho. Aquele é gasto de várias maneiras: transporte, afazeres domésticos,
obrigações familiares etc. Em suma, com serviços que exigem uma
obrigatoriedade. Este, além de ser consequência da diminuição do trabalho, só
se concebe se há uma organização daquele, porque não existe tempo livre se há
ações a espera de execução.
O tempo livre, na maioria das vezes,
é gasto com o lazer, que pode ser criativo ou alienado. Nesse contexto, entram a
tecnologia e a mídia, pois detêm o poder de influenciar o pensamento de grande
parte da sociedade. Emergem daí seres que vivem à mercê do midiatismo, do
modismo e, por extensão, do consumismo.
Com a criação e a evolução das
máquinas e também do sistema capitalista, que põe o trabalhador em processo de
permuta: o trabalho pelo salário, o primeiro se tornou alienado; o operário
ajuda a produção de um objeto, não sabe, porém, de onde vem a matéria prima,
como foi o processo de fabricação antes de chegar até seu setor, para onde vai
o produto, por quem será utilizado etc. O trabalho repetitivo e cansativo de
muitos escritórios, fábricas e indústrias pode ser comparado com o trabalho de
Sísifo na mitologia grega. Por toda a eternidade Sísifo foi condenado a rolar
uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que
toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente
montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível. Por
esse motivo, a tarefa que envolve esforços inúteis passou a ser chamada
"Trabalho de Sísifo".
Nos afazeres domésticos, pode haver
também a alienação. No conto “Casa Tomada”, do escritor argentino, Júlio
Cortazar, o narrador, autodiegético, vive com sua irmã Irene uma vida rotineira
em uma casa antiga. Segundo ele:
Irene era uma jovem nascida para não incomodar ninguém. Fora sua atividade matinal, ela passava o resto do dia tricotando no sofá do seu quarto. Não sei por que tricotava tanto, eu penso que as mulheres tricotam quando consideram que essa tarefa é um pretexto para não fazerem nada. Irene não era assim, tricotava coisas sempre necessárias, casacos para o inverno, meias para mim, xales e coletes para ela.
Irene era uma jovem nascida para não incomodar ninguém. Fora sua atividade matinal, ela passava o resto do dia tricotando no sofá do seu quarto. Não sei por que tricotava tanto, eu penso que as mulheres tricotam quando consideram que essa tarefa é um pretexto para não fazerem nada. Irene não era assim, tricotava coisas sempre necessárias, casacos para o inverno, meias para mim, xales e coletes para ela.
O ato de tricotar para as mulheres
que o fazem com o pretexto para não fazerem nada pode ser considerado um ato de
alienação. Por outro lado, o tricotar da Irene não era assim. Ela tricotava
coisas necessárias: casacos para o inverno, meias, xales e coletes.
Se há a alienação na produção, não é
diferente no consumo. De acordo com Aranha e Martins (1993), o ato do consumo é
humano por excelência, no qual o homem atende a suas necessidades orgânicas (de
subsistência), culturais (educação e aperfeiçoamento) e estéticas.
Quando, no ato do consumo, acontece
um processo de escolha autônoma, ele é considerado não-alienado, pois o
consumidor sabe o que e para que quer.
Entretanto, existe o consumo motivado
pela mídia, por meio de propagandas que vendem a imagem de um produto, criando,
assim, o desejo de ser igual ao ator, à atriz, enfim, ao ídolo daquela novela
ou daquele programa de tv.
Vive-se, hoje, em uma sociedade
superficial, que valoriza o ter em detrimento do ser, que está alienada, à
mercê da ideologia colocada pela mídia, pela política, pela religião, pela
educação.
Fala-se em alienação no trabalho:
produção e consumo, mas há também alienação em outros campos da sociedade.
O tempo livre, como visto, é gasto
com lazer que pode ou não ser alienado.
Quando a pessoa é dotada de
capacidade crítica e analisa o que é bom ou não para si, escolhendo o jogo, o
programa de tv, o livro, a viagem e todos os outros lazeres que julga
necessários, sem a influência do modismo e do midiatismo, esse lazer é
considerado criativo. Para Aranha e Martins (1993), pode-se assistir ativamente
a qualquer programa quando se é bom observador, quando se assume uma atitude
seletiva e quando se é sensível aos estímulos recebidos e procura compreender o
que vê e aprecia.
Da mesma forma em que existem
produção e consumo alienados, também há a alienação no lazer. Aranha e Martins
(1993) dizem:
A propaganda da bem-montada
“indústria do lazer” orienta as escolhas e os modismos, manipula o gosto,
determinando os programas: boliche, patinação, discotecas, danceterias, filmes
de moda.
A banda de rock gaúcha, Engenheiros do Hawaii, faz
uma crítica às propagandas, ao modismo, ao consumismo, com a música 3ª do
plural:
Corrida pra vender cigarro / Cigarro
pra vender remédio / Remédio pra curar a tosse / Tossir, cuspir, jogar pra fora
/ Corrida pra vender os carros / Pneu, cerveja e gasolina / Cabeça pra usar
boné e professar a fé de quem patrocina / Eles querem te vender... / Eles
querem te comprar... / Querem te matar (a sede) / Eles querem te sedar!Quem são
eles? / Quem eles pensam que são?/ Quem são eles? / Quem eles pensam que são?
Corrida contra o relógio / Silicone contra a gravidade / Dedo no gatilho,
velocidade / Quem mente antes, diz a verdade / Satisfação garantida /
Obsolescência programada / Eles ganham a corrida / Antes mesmo da largada Eles
querem te vender... / Eles querem te comprar... / Querem te matar (de rir) /
Querem te fazer chorar Vender...comprar... / Vedar os olhos...jogar a
rede...contra a parede / Querem nos deixar com sede, não querem nos deixar
pensar!
Além da alienação na produção, no consumo,
no lazer, há também alienação na educação. As disciplinas são estudadas
separadamente, sem ligação alguma com a sociedade e com outras disciplinas
correlatas. O art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, diz:
"A educação, dever da família e
do estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, sua preparação
para o exercício da cidadania e sua preparação para o trabalho."
Vai ao encontro desse artigo, a criação dos cursos
superiores de tecnologia, que dão uma formação muito específica, deixando o
aluno preparado para o trabalho e alienado, no entanto, em relação a outros
aspectos da vida. A alienação atinge vários âmbitos da sociedade. Na produção,
no consumo, no lazer, no estudo, pode-se dizer que ela é um processo secular.
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