José
Carlos Lustosa Júnior[1]
RESUMO: O objetivo deste artigo é mostrar as várias
concepções filosóficas sobre a educação e no que se constitui o processo de
ensino-aprendizagem na práxis pedagógica de uma escola e da sociedade. Pretende
enfatizar que a educação pode ser um instrumento de transformação social, já
que ela é formadora de opinião e atua nos condicionantes sociais, interferindo
no mundo, na relação do homem com o próprio homem, e do homem com a natureza.
Para tanto, far-se-á necessária uma busca histórico-social do processo de
escolarização no Brasil e discorrer-se-á, posteriormente, sobre as várias
formas de se enxergar a educação nas correntes pedagógicas que norteiam o
processo de emancipação social e política.
Palavras-chave: Educação. Histórico-Sociais. Tendências
Pedagógicas. Transformação.
A
educação é um processo natural de civilidade do homem, de torná-lo sociável
dentro de seu contexto, no desenvolver de habilidades físicas e mentais,
diferentemente dos outros mamíferos que já nascem capazes de superar alguns
obstáculos sem o acompanhamento de seus progenitores.
Existe
no homem uma necessidade de educação inerente à sua praxe social, vindo a
auxiliá-lo na formação da consciência e na construção do caráter, o que o torna
particular em relação às demais espécies. Recebe, ao longo da vida, os costumes
dos seus ancestrais, noções do certo e do errado conforme a cultura de cada
povo, informações básicas para o convívio harmonioso em sociedade, para que as
relações do homem com o próprio homem e com a natureza ocorram de forma
pacífica e harmônica.
A Companhia de Jesus[2]
tinha a incumbência de educar os índios. A sistemática dava-se com o avanço e
prestígio da língua hegemônica[3]
que foi oficializada, ou melhor, imposta aos nativos da época, ou seja, foi
introduzida de modo vertical, formando uma ideologia que favoreceu aos
interesses dominantes[4],
principalmente à Coroa Portuguesa. O processo de escolarização do Brasil
tornou-se obrigatório em nossa primeira Constituição de 1824[5],
após a Independência. O monopólio dos jesuítas durante a tentativa de educar as
pessoas da época e a rigidez em seguir o manual de estudos, “a Ratio
Studiorum”, “repetidores da lição” (GUEDES, 2006, p.15), impossibilitou a
construção democrática do conhecimento, portanto, esse fator contribuiu para a
formação catedrática dos professores de Língua Portuguesa no que tange às
competências necessárias à formação de outras habilidades como formação
política, conceitos de ética na sociedade, conforme segue:
Humanistas por
excelência, e os maiores de seu tempo, concentraram todo o seu esforço, do
ponto de vista intelectual, em desenvolver, nos seus discípulos, as atividades
literárias e acadêmicas que correspondiam, de resto, ao ideal de “homem culto”
em Portugal, onde, como em toda a península ibérica, se encastelara o espírito
da Idade Média, e a educação, dominada pelo clero, não visava por essa época
senão formar letrados e eruditos. O apego ao dogma e à autoridade, à tradição
escolástica e a literária, o desinteresse quase total pela ciência e a
repugnância pelas atividades técnicas e artísticas tinham forçosamente de
caracterizar, na colônia, toda a educação modelada pela da Metrópole, que se
manteve fechada e irredutível ao espírito crítico e de análise, à pesquisa e à
experimentação... (AZEVEDO, 1964, apud GUEDES, 2006).
Esse
contexto histórico mostra quão influência esse sistema de ensino colonialista
exerce na educação contemporânea. Os jesuítas davam as suas aulas seguindo
fielmente o manual de estudos, carregados do português de Portugal. Hoje o
professor é figura criada com o advento do mercantilismo[6],
por vezes, reprodutor do livro didático, dominante de certo saber, mas um saber
já manipulado anteriormente por outro, não por ele mesmo, fato que o faz ficar
sem criatividade e produção científica, pois essa última está restrita aos
meios acadêmicos.
A
busca exagerada por lucro criou, assim, uma demanda de mão-de-obra
especializada, em massa, sendo que o professor surgiu, numa primeira idéia,
apenas como um paliativo para resolver a escassez de mão-de-obra. O professor
tornou-se um seguidor fiel do livro didático, conscientizador moralista. O
abandono da “formação mais artesanal” (GUEDES, 2006, p.27) do professor ao
desdobramento individual acabou por criar, numa perspectiva de identidade, um
professor alheio à criatividade.
A
análise crítica do professor, se é que de fato existiu com furor, tornou-se
refém dos programas didáticos, e na maioria das vezes, não é considerada pelas
instituições escolares, pois esta última deve obedecer aos programas de aulas
já estabelecidos. Isso acarreta e aumenta a crise de identidade do professor. A
relação professor-aluno ocorria de forma hierárquica, conforme a pedagogia tradicionalista
de educação:
Predomina a
autoridade do professor que exige atitude receptiva dos alunos e impede
qualquer comunicação entre eles no decorrer da sala de aula. O professor
transmite o conteúdo na forma de verdade a ser absorvida; em conseqüência, a
disciplina imposta é o meio mais eficaz para assegurar a atenção e o silêncio.
(LUCKESI, 1994).
Para a elite[7]
não há o interesse em profissionais qualificados a ponto de deixar o ensino
público em eqüidade com o ensino privado, não que o ensino privado seja o
ideal, mas sim pelo fato de ser privilegiado na sociedade capitalista, porque à
sociedade capitalista os incompetentes e alienados são mais dóceis e, por isso,
fáceis de serem manipulados para interesse próprio, em detrimento do conhecimento
democrático, justo, das boas práticas educacionais[8].
O fato é que dessa forma o grupo dominante consegue alcançar seus objetivos
devido ao controle do sistema de ensino, manipulando-o para gerar resultados
para uma minoria rica, ou seja, a elite. O professor tem um dos papéis
fundamentais e inerentes à construção humana, no despertar pelo novo, conforme
veremos abaixo:
É
preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o
formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se
como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que
ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para a sua
produção ou a sua construção. (FREIRE, 1997).
Concorda-se
plenamente que o professor deva estimular a criação de novos saberes,
dando-lhes as possibilidades adequadas para desenvolvê-las. Mas essa produção
de conhecimento deve ser feita de forma crítica, bem planejada através da
educação transformadora. A educação transformadora é a que pode, de fato,
melhorar as condições de vida da sociedade de forma a intermediar os meios para
essa melhoria. Para que se tenha plena consciência das tendências pedagógicas,
far-se-á alguns comentários dos conceitos de educação redentora, crítica-reprodutivista
e transformadora, numa tentativa de se esclarecer a razão da defesa pela
educação transformadora.
O
aspecto filosófico educação constitui-se quando há a necessidade de se enxergar
um sentido no ato de educar; compreender a razão pela qual se está sendo
professor; encontrar valores éticos e finalidades práticas à sociedade que
anseia por respostas e melhorias qualitativas de vida. O aspecto político
manifesta-se quando os homens organizam-se numa tentativa de criar um
direcionamento organizado e sistemático à educação.
A
tendência redentora enxerga a sociedade como “conjunto” (LUCKESI, 1994, p.38)
de indivíduos que convivem em sociedade que é viva e harmônica, o que importa é
manter a sociedade, conservando os seres humanos no meio social. Essa instância
volta-se para a formação do caráter dos indivíduos.
Na
verdade, ela se põe como a única forma de resolução dos problemas sociais,
profundamente humanista, alheia ao processo crítico, como se tudo pudesse ser
resolvido pela fé. Tal concepção de educação é puramente “ingênua” (LUCKESI,
1994, p.38), porque ela relaciona, rigorosamente, educação à religião: prega
que os indivíduos devem seguir todos os ensinamentos divinos. Não se discorda
em se conceber as leis cristãs, segui-las ou divulgá-las, entretanto, deve-se
levar em consideração que existe também a ciência como contribuinte do
indivíduo nas buscas por respostas.
A evolução da ciência faz com que muitos estudiosos
contestem esses ensinamentos, pois apenas a redenção, além de contrária à
realidade vivida pelo homem, estabelece teorias que, em muitos casos, prendem
os sujeitos no tempo e no espaço, tornando-os seres humanos sem condições de
criticarem a sociedade na qual estão inseridos, porque sem crítica construtiva
não há como melhorar aquilo que não é percebido.
Ainda
hoje existem professores que atuam na educação e consideram, ingenuamente, suas
ações não providas de comprometimento, voltadas à redenção da sociedade. Na
tendência redentora observamos que os indivíduos são ensinados a se redimirem à
sociedade dominante do saber, subservientes aos interesses impostos a eles como
pretexto para integrá-los, de forma harmônica aos outros indivíduos.
Na
tendência crítica-reprodutivista não há redenção das mazelas, já que a
“educação é uma instância dentro da sociedade e exclusivamente ao seu serviço”
(LUCKESI, 1994, p.41). Essa vertente é ainda pior que a redentora.
Nela
os indivíduos são condicionados a reproduzi-la como forma de perpetuar
fortemente o sistema que está no poder, aspecto que está ligado diretamente por
fatores condicionantes como os econômico-sociais e políticos, servindo à
sociedade e a seus condicionantes. Essa se afirma como crítica, diferentemente
da redentora, pois ela atua nos seus condicionantes sociais, todavia o que a
torna falha para aplicações do ensino crítico-reflexivo é o fato de a crítica
ser usada para reprodução exclusiva de interesses de uma minoria rica.
Para se ter uma sociedade crítica é preciso que se tenham
estudantes e docentes reflexivos, capazes de traçar o melhor perfil social, sem
apenas redimir ou reproduzir a sociedade. Assim, estabelece-se que a idéia de
transformação seja a mais adequada e pertinente aos indivíduos, porque faz o
ser humano pensar na sua prática cotidiana, agindo como mediadora para uma sociedade
mais aberta à sugestões, à críticas sempre construtivas à coletividade,
conforme se percebe mais adiante:
Do ponto de vista
prático trata-se de retomar vigorosamente a luta contra a seletividade, a
discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares. Lutar contra a
marginalidade, através da escola, significa engajar-se no esforço para garantir
aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições
históricas atuais. O papel de uma teoria crítica da educação e dar substância
concreta a essa bandeira de luta, de modo a evitar que ela seja apropriada e
articulada com interesses dominantes. (SAVIANI, 1987, p.36 apud LUCKESI, 1994).
A transformação da sociedade pode ocorrer com a mediação
de uma educação crítica: não redentora nem reprodutivista. A tendência
transformadora contempla a compreensão da educação dentro de todos os seus
condicionantes sociais, de forma que seja tomada uma ação significativa, e não
seletiva, para a sua transformação.
Investigar
e utilizar-se dos condicionantes sociais, das contradições para trabalhar em
prol da realidade, da ação crítica-reflexiva como tentativa de se enxergar o
que realmente é melhor para todos, sem discriminar, iludir, constranger ou
excluir qualquer indivíduo dos benefícios da educação, conforme se observa a
seguir:
[...] o conhecimento
resulta de trocas que se estabelecem na interação entre o meio (natural,
social, cultural) e o sujeito, sendo o professor o mediador, então a relação
pedagógica consiste no provimento das condições em que professores e alunos
possam colaborar para fazer progredir essas trocas. O papel do adulto é
insubstituível, mas acentua-se também a participação do aluno no processo
(LUCKESI, 1994).
A
escola soma o todo social[9].
Tomar atitude crítica dentro da escola é agir para a transformação social. O
papel da escola consiste em difundir os conteúdos reais e indissociáveis à
realidade social de cada indivíduo envolvidos no processo de
ensino-aprendizagem, servindo de auxilio aos educandos[10]
na caminhada pela vida turbulenta da sociedade moderna.
O
professor deve, ou pelo menos deveria adotar uma postura crítica sobre qualquer
assunto que venha a discutir na sala de aula e ouvir a participação de todos os
alunos no processo de ensino-aprendizagem. Os conteúdos devem ser universais,
incorporados à humanidade e pertinentes à realidade social dos educandos, numa
estreita relação de significados, num intercâmbio de continuidade entre
erudição e conhecimento popular.
[1] José Carlos Lustosa Júnior é professor
de Língua Portuguesa e pesquisador das problemáticas sociais que envolvem o
processo de ensino-aprendizagem. É Licenciado em Letras pela Universidade
Estadual Vale do Acaraú – UVA, Sobral – Ceará.
[2] Equipe formada por jesuítas no
período pombalino.
[3] Toma-se esse termo pelo fato de ter
havido a imposição da língua portuguesa em detrimento da língua indígena.
[4] Refere-se aqui à burguesia
portuguesa.
[5] CARNEIRO, Moacir Alves. LDB fácil:
leitura crítico-compreensiva: artigo a artigo. Petrópolis, Rio de Janeiro:
Vozes, 1998.
[6] Termo utilizado para indicar o
processo capitalista.
[7] Este termo está sendo utilizado para
se referir à classe dominante dos bens de produção.
[8] Referimos-nos à formação íntegra do
indivíduo, privilegiando-se à formação crítico-reflexiva e, também, política.
[9] Referimo-nos à escola enquanto
espaço de diferenças de classes, não neutra, mas atuante nas diferenças.
[10] Este termo é utilizado para
enfatizar o estudante como um ser ativo e participativo nas questões políticas
e sociais da sua realidade.
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