Zeila
Miranda Ferreira
Resumo: As
transformações sócio-culturais, econômicas e tecnológicas conduzem a uma
demanda crescente por educação, em todos os níveis, além de criarem um ambiente
propício para a disseminação da Educação à Distância (EaD), como alternativa
viável de formação de educadores. Entretanto, para que a EaD seja considerada
de qualidade, faz-se necessário definir conceitos e abordagens pedagógicas que
fundamentam o curso e a prática docente.
Palavras
chaves: Educação a Distância - abordagens tradicionais - abordagens
transformadoras
As
mudanças tecnológicas surgem de diversos setores sociais, principalmente das
empresas e do mundo do trabalho e bem menos das universidades e escolas.
Percebemos campos opostos e de tensão entre aqueles que já incorporaram as
tecnologias de informação e de comunicação (TIC) e aqueles que não o fizeram.
Persistem alguns preconceitos, muitos deles resultados da desinformação, do
modismo, uso inadequado, incoerências e confusões conceituais relacionadas com
a expressão "Educação a Distância".
Identificamos
uma vasta literatura gerada em torno de temas relativos à Educação a Distância[1].
Verificamos que existem muitas controvérsias a respeito desta temática,
envolvendo a sua conceituação, terminologia, incoerências entre abordagens
educacionais, propostas pedagógicas e curriculares de programas de EaD. De tal
forma que em nosso país, quando se ouve a expressão "Educação a
Distância" não se sabe e não se tem clareza do que a pessoa efetivamente
deseja expressar e a que tipo e modalidade de EaD ela se refere. Notamos
também, que existem experiências diversificadas nas instituições: algumas
deixam a desejar, por exemplo, em relação à infraestrutura, ao desenho
pedagógico, aos recursos humanos, didáticos e tecnológicos adotados; outras
experiências com a Educação a Distância parecem interessantes, significativas e
são referências na área.
Moran
(1999) define educação a distância
como o processo de ensino-aprendizagem mediado por tecnologias, em que
professores e alunos ficam separados espacial e/ou temporalmente, mas podem
estar conectados, interligados por tecnologias, tais como: telemáticas, a
Internet, o correio, o rádio, a televisão, o vídeo, o CD-ROM, o telefone, o fax
e outras tecnologias.
Por
sua vez, García Aretio (2002)
defende que a educação a distância se
fundamenta em "um diálogo didático mediado entre o professor (instituição)
e o estudante que, localizado em espaço diferente daquele, aprende de forma
independente, cooperativa, colaborativa, entre pares". Define a EaD como
um sistema tecnológico de comunicação bidirecional, que pode substituir a
interação face a face entre professor e aluno como meio preferencial de ensino.
Considera a ação sistemática e conjunta de diversos recursos didáticos, bom
como o apoio de uma organização e de tutoria para propiciar a aprendizagem
independente e flexível dos alunos.
Nessa
direção, o pesquisador vem defendendo o uso da expressão Educação a Distância e da sigla EaD[2].
Entende que ambas englobam e representam por completo toda a diversidade de
designações, de conceitos e de significados que vêm sendo adotados por diversos
autores[3]
para a referência à modalidade de Educação a Distância.
Belloni
(2003, p.34) esclarece que a expressão aprendizagem
aberta e a distância (AAD) - open
distance learning - é a mais utilizada desde os anos 90, conforme recomenda
a Comissão da União Européia. Tal denominação vem sendo considerada a mais
coerente com as transformações sociais, econômicas e da educação atual, por
englobar diferentes formas e regimes de EaD. É caracterizada pela
flexibilidade, abertura dos sistemas de ensino e de aprendizagem, prevê a autonomia,
a interação do estudante e a construção de conhecimentos no processo educativo.
Na
legislação brasileira, o Decreto 5.622, de 19 de dezembro de 2005 regulamenta o
Art. 80 da LDBEN, n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Em seu art. 1º determina
que a EaD caracteriza-se: "como modalidade educacional na qual a mediação
didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a
utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e
professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos
diversos" (BRASIL. MEC/SEED. 2005). Assim, a EaD possibilita a educação, o
ensino, a auto-aprendizagem, por meio de recursos didáticos, pedagógicos e
tecnológicos organizados com atividades a serem desenvolvidas por educador e
educando separados fisicamente, em qualquer tempo e espaço.
Resguardadas as particularidades que envolvem cada um dos
conceitos e definições, apresentados percebemos que em diferentes níveis, podem
ser identificados alguns dos princípios epistemológicos e educativos que vêm se
configurando como básicos na pedagogia contemporânea. Ou seja, percebe-se o
conceito de Educação a Distância numa
ótica ampliada, fundamentada em pressupostos que contemplam as abordagens
construtivistas e sociointeracionistas.
Na mesma direção, Moran, García Aretio, Belloni e o
art.1º do Decreto 5.622 de 19/12/2005, explicitam em seus conceitos, as
possibilidades de interação entre pares, a comunicação, a socialização, o
diálogo e a interatividade entre os envolvidos no processo educativo
mediatizado por TIC. Eles contemplam também, a necessidade da aprendizagem
significativa, colaborativa, cooperativa, a autonomia, a independência nos
estudos, a autogestão do aprendizado, a motivação de educador e educando.
Também, a responsabilidade do formador e da instituição na oferta de cursos em
EaD, a democratização do acesso à formação, a abertura para diversos tipos de
formação e procedimentos educativos, a flexibilidade para os estudos no ensino
virtual e semipresencial.
Diante do exposto, concebemos a educação (e, por
conseguinte, a Educação a Distância), fundamentada numa perspectiva humanista, emancipadora, reflexiva e
crítica, conforme defendeu Freire
(1974). Ou seja, o processo educativo tem por fim promover a transformação do
homem no contexto em que vive, em contraposição à educação bancária[4],
também combatida pelo autor (ibid.,1974, p.9).
Na
perspectiva da educação libertária e
transformadora, entendemos que professores e estudantes são seres articulados
no tempo e no espaço, num mundo complexo, dinâmico, em constante mudança. São
sujeitos de relação de comunicação, de reflexão, de diálogo, que decidem a
partir de julgamento crítico e do ato de conhecer. A ação-reflexão permite a
ambos, tomar consciência de si mesmos, compreender, questionar, analisar,
modificar a realidade, perceber dificuldades e possibilidades que a limitam,
numa visão crítica do mundo e estimulante da criatividade humana. Logo, são
seres da práxis[5],
que operam e transformam o mundo. Por isso, não podem ser reduzidos a
"espectadores passivos da realidade, nem ser conduzidos por outros
sujeitos" (FREIRE, 1974, p.10).
Consideramos
importantes as contribuições freireanas, como princípios essenciais para a
prática docente e a formação de professores em EaD. Por exemplo, ajudam a
compreender que como um dos elementos da práxis
humana, a educação gera o novo, produz significados e, como tal, amplia as
possibilidades formativas. Nesse sentido, a EaD surge como um novo elemento
educativo e formativo, como oportunidade de criação de novas relações, de
estímulo à criatividade humana, à reflexividade, ao diálogo, à continuidade da
formação e à promoção de rupturas no sistema educacional vigente.
Portanto,
defendemos aqui a EaD numa perspectiva transformadora, que favorece não só a
construção de conhecimentos, mas a busca da identidade e do desenvolvimento
pessoal e profissional do professor-tutor e dos cursistas, em conformidade como
o pensamento crítico, reflexivo e pesquisador sugerido por Freire. Uma EaD que
enfatiza a reflexão na relação
pedagógica, para permitir ao professor-tutor e ao estudante um
"pensar" profundo acerca do seu saber e do seu fazer, com espaços
para a discussão, a troca e a análise de ideias com seus pares. Tudo isto, com
vistas a promover a transformação das práticas bancárias, opressoras e
violentas que porventura adotam.
É
esta a educação a distância - sem distâncias - que interessou ser aqui contemplada.
Referência Bibliográfica
BELLONI, Maria. L. Educação a Distância. Campinas, SP:
Associados, 2003.
BRASIL. MEC. Secretaria de Educação a
Distância. Decreto Nº 5.622, De 19 de
Dezembro de 2005. Regulamenta o art. 80 da Lei no 9.394, o art. 84, incisos
IV e VI, alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o que dispõem
os arts. 8o, § 1o, e 80 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. In Regulamentação da EAD no Brasil.
Disponível em Acesso em: 02/02/2006.
__________. LDBEN. Lei n.º 9.394, de 20 de
dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário
Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro de 1996, Seção 1, p.
27839. Disponível em. Acesso em: 02/02/2006.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 28ª ed. 2005.
_________. Papel da educação na
humanização. In Uma educação para a
liberdade. Porto: Porto ed. 1974.
GARCÍA ARETIO, Lorenzo. Enseñanza y aprendizaje digitales (EAD) Boletín Electrónico de Noticias de Educación
a Distancia (BENED). 2003,
abril. Acesso em 12/10/2007. Disponível em
__________. Resistencias, cambio y buenas prácticas en la nueva
educación a distancia. Revista Iberoamericana de Educación a
Distancia Vol. 5, n. 2, diciembre, 2002a, p.9-36. Acesso
em 12/10/2007.
Disponível em <www.uned.es/catedraunesco-ead>
MORAN, JM. O que é educação a distância. Salto para o Futuro.
Brasília: 1999. Disponível em www.tvebrasil.com.
br/salto/distancia>. Acesso em 20/abril/2006
[1] Foram consultadas teses e
dissertações impressas e/ou on-line
disponíveis em bibliotecas presenciais ou virtuais de todas as universidades federais brasileiras, das universidades estaduais: Universidade
de São Paulo (USP); Universidade de Campinas (UNICAMP); Universidade do Estado
de Santa Catarina (UDESC). Ainda, as bibliotecas das Pontifícias Universidades Católicas (PUC). Também, artigos e
periódicos científicos impressos e eletrônicos disponíveis em: Caderno CEDES - UNICAMP, Caderno de Pesquisa - Fundação Carlos
Chagas; Educação & Realidade -
UFRS; Educação e Sociedade - UNICAMP;
Revista da Faculdade de Educação -
USP; Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos (RBEP); Revista
Brasileira de Educação - Anped.; Em
Aberto on-line; Revista Digital de Tecnologia Educacional de Educação a Distância (TE@D PUC-SP); Revista Eletrônica de Educação a Distância (SEEDNET) - SEED/MEC; Revista Brasileira
de Aprendizagem Aberta e a Distância on-line (RBAAD / ABED), Revista Tecnologia Educacional (ABT).
[2] García Aretio (2003) usa a sigla EAD, de "Ensino e
Aprendizagem Digitais" exclusivamente para se referir ao formato de
educação à distância baseada em suportes e redes digitais, considerada pelo
autor, como a forma mais atual desta modalidade educativa.
[3] García Aretio
(2002a) faz referência aos conceitos e contribuições teóricas dos autores:
Michael G.Moore (1972), Börje Holmberg (1977), R.S.Sims (1977), Anthony Kaye e
Graville Rumble (1979), Norman Mckenzie (1979), Desmond Keegan (1980), M.
L.Ochoa (1981), Charles A.Wedemeyer (1981),Miguel Casas Armengol (1982), Hilary
Perraton (1982), Otto Peters (1983), Gustavo Cirigliano (1983), Victor Guédez
(1984), France Henri (1985), Miguel A.Ramón Martinez (1985), José Luis Garcia
Llamas (1986), Ricardo Marin Ibáñez (1986), Dereck Rowntree (1986), Jaume
Sarramona (1991), entre outros considerados significativos no âmbito da
EaD.
[4]Perspectiva educacional fundamentada
no paradigma científico dominante (tradicional,
positivista, clássico, conservador). Freire (2005, p.14) denomina de concepção bancária a educação que
"enfatiza mitos", transforma o ser humano numa "coisa", faz
do processo educativo um ato permanente de depositar conteúdos; o depositante é
o educador e o depositário é o educando. A educação
bancária se funda num conceito mecânico, estático que torna o estudante
passivo. Repousa numa falsa concepção de homem com consciência vazia que será
preenchido com "pedaços do mundo". Nesta abordagem, a educação
consiste no ato de depositar fatos, "informações semimortas nos educandos,
que pacientemente, recebem os depósitos, arquiva-os, memoriza-os, para depois
repeti-los"(ibid, p.16).
[5] Para Freire (1974) esclarece
que a palavra práxis de origem grega, é utilizada para designar uma relação
dialética entre o homem e a natureza, na qual, ao transformar a natureza com
seu trabalho, o homem transforma-se a si mesmo. Deste ponto de vista, a prática
se caracteriza por considerar como problemas centrais para o homem os problemas
práticos de sua existência concreta. O termo prática, também de origem grega, deriva de praktikós, do prattein
e designa agir, realizar, fazer. Refere-se à ação que o homem exerce sobre as
coisas, aplicação de um conhecimento em uma ação concreta, efetiva. Este
conceito, de sentido prático-utilitário, implica numa ação do homem para
resolver seus problemas imediatos do dia a dia, utilizando-se de conhecimentos
já adquiridos em ações concretas cotidianas.
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