domingo, 22 de abril de 2012

Anúncios desclassificados e epitáfios


Ruth Guimarães
Foi numa dessas noites paulistanas, horripilantes, de pouca luz e muita neblina. O barzinho lá pras bandas de Santana, longe do metrô, chamava-se “Último Gole”, nome nada promissor para viajante que procurava um pouco de calor, de consolo para tanto desconforto.  Era lá que estava num cartaz, na parede, esta delícia:
Se você bebe para esquecer,
por favor, pague antes!
É nos bares – esse clube dos pobres – que se encontram algumas jóias.  Um deles, na zona suburbana, ostenta um aviso com muita suficiência:
“Serve-se com o maior prestígio.”
*
Havia na minha terra uma funerária dirigida por pai e filho, sendo que o mais moço, além de  ajudar em todos os trabalhos do ramo, ainda abria os dizeres nas lápides de mármore e outras.  Rapaz sem grande imaginação, e porque não se tratava de tópicos do muito imaginar, abria todos os epitáfios assim: Aqui jaz...
E tantas vezes escreveu na pedra aquele começo de frase que lhe puseram o apelido de Aqui Jaz.  Ele reagiu sempre com tanta violência e aborrecimento que o apelido pegou.  Todas as vezes em que o chamavam assim, era briga na certa.  Até que, em certo dia de caçoada mais ferina e de briga mais feia, com faca, mataram-no.  Acabou, foi enterrado, abriram-lhe um epitáfio, no mármore e começava assim: Aqui Jaz... Muitos riram, alguns da família choraram.  Num certo dia dois de novembro, uma rapaziada de escola, endiabrada, resolveu fazer uma modificação no epitáfio do pobre Aqui Jaz, que era assim:
Aqui Jaz
Luís Gonzaga dos Santos
Nascido *
Morto +
Esposo, amante, filho exemplar.
E o solene epitáfio ficou assim:
Aqui Jaz o Aqui Jaz
Que por causa de aqui jaz
Aqui jaz.
*
Antigamente, nos bondes da capital  paulistana, havia este anúncio:
Veja ilustre passageiro
O belo tipo faceiro
Que o senhor tem a seu lado.
E, no entanto, acredite:
quase morreu de bronquite.
Salvo-o o rum creosotado.
Animada pelo conselho, a gente ia olhar para o belo tipo faceiro, ao lado, e ah! meu Deus do céu!!!
*
Cruzeiro, cidade de 90.000 habitantes, tem as suas oficinas de desmanche, na estrada, antes dos primeiros casarios. Ali é antes de tudo uma extensa e animada oficina, uma comunidade automobilística de lanternagem, pintura, eletricidade, recauchutagem, recapagem, ressolagem de pneus, e tutti quanti.  Ali mesmo estão  dois cemitérios na cidade, um velhíssimo e outro novo, bonito, cuidado, arborizado.  Em frente ao portão do cemitério velhíssimo uma das oficinas encostou um cartaz que anunciava em letras gordas: VENDEM-SE CARCAÇAS.

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