domingo, 22 de abril de 2012

A Negritude e eu

Ruth Guimarães

Tantos já fizeram o diagnóstico da situação do negro em nosso meio, que não vou repetir. É necessário admitir que não se trata da situação do negro, propriamente, mas do pobre, na acepção mais completa do termo. Isto é, do negro na situação de desvalido. Sobre o assunto temos os inolvidáveis documentários de Gilberto Freire, Nina Rodrigues, Edson Carneiro, Artur Ramos e muitos outros, como o recente Clóvis de Moura. Etnólogos, antropólogos, sociólogos.

Há tempos, por meio do jornalista Fernando Góes, fiquei conhecendo agremiações, clubes, sociedades, o gueto negro do Baixo Piques, as rodas de prosa da rua Direita aos domingos, família de negros, as gafieiras, o Bixiga dos cortiços, a favela do Saracura, tudo.

Na grande luta a favor da igualdade e da dignidade humanas, em especial do negro, dizia ele que há duas espécies de negros omissos: aqueles que fazem zumbaias para os brancos e vivem em clientela com eles, e se fazem de alegres, de agradáveis, de palhaços, para obterem favores, e o favor de serem tolerados. E aqueles que por toda parte ficam muito quietos e muito discretos, para ninguém perceber ou para ninguém reparar que eles são pretos. Negro, meu irmão, em qual dessas categorias, você se inclui? Em que terreno se dará a luta?

Agora vem a indefinição: lutar para obter o quê? “Igualdade” entre aspas, diante da lei nós temos. Do que precisamos é de sermos livres, principalmente dentro de nós mesmos, e liberdade ninguém pode nos dar, a não ser cada um conseguir a sua.

Liberdade não é apenas uma palavra, um item, uma lei; mas é rumo, é programa, é meta. E para que a tenhamos, cada um tem que conquistar a sua, com unhas e dentes, com fé e tenacidade, e lutar centímetro a centímetro do seu espaço. Sem lamúrias e sem queixumes. E obedecendo apenas à voz da consciência.

Quero ver claro nesse assunto. Que é que na verdade queremos? Ser absorvidos por uma civilização branca, e tolerados como os estrangeiros que já fomos, tendo que nos conformarmos com o que nos queira oferecer o dono da bola? O dono da terra? O dono do mundo? Ou o que? Quem nos deu dono? Por que aceitamos os donos?

O que temos realmente é um problema de classe, centrado no negro, por muitas razões políticas e econômicas. O negro não saiu e não sai da senzala não é por sua pele negra, mas por falta de conhecimento.

Repetindo e parafraseando Brecht: se o negro tem fome, se está vexado, humilhado, ofendido, agarre o livro: é uma arma.

Eu venho aos negros pregar o orgulho: de sua pele de bronze ou de ébano. Do seu trabalho. Da sua inteligência, da sua bondade, de sua alegria do seu samba, do seu lugar no mundo.

Sem escola e sem orgulho, o que nos resta? Porteiro, contínuo, cama, cozinha, fundo de quintal, porta dos fundos, elevador de serviço. Resta apenas irmos para onde nos empurram.

Estamos aqui. Já que nos trouxeram, só o que falta é sermos. Era só o que faltava, sermos estrangeiros em nossa própria terra! Não queremos bondade, nem tolerância, nem paternalismo. Não queremos nem que falem por nós. Queremos igualdade não concedida, mas conquistada. Esta terra é nossa.

Pois eu vim hoje aos negros que me lêem, pregar o orgulho.

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